A responsabilidade social das empresas, por Paulo Roberto Guedes*

Publicado em
07 de Agosto de 2022
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Caso isso não tenha sido percebido por muitos, não há dúvidas que a pandemia do Coronavírus obrigou, a todos nós, que se reconhecesse quão frágil é a situação econômica, social e política do mundo atual. Pelo menos é o que parece, considerando que a sociedade tem se mobilizado cada vez mais à favor do meio-ambiente, da saúde e da igualdade e contra a discriminação e o racismo. 

Consequentemente, apesar de alguns “retrocessos” e as exceções de sempre, muitos são os posicionamentos de especialistas, políticos e líderes nos mais diversos setores da atividade humana, que passaram a se ‘ocupar’, agora com maior ênfase, dos aspectos relacionados à sustentabilidade, à proteção dos direitos humanos, ao crescimento econômico e à melhoria do bem-estar de todos.

A própria ONU, na Assembleia Geral que comemorou seu 75º aniversário, ao desenvolver o tema “O futuro que queremos, as Nações Unidas de que precisamos”, não teve dúvidas ao estabelecer suas prioridades. Pela ordem são: (a) acesso a serviços de saúde, água, saneamento e educação, (b) mais solidariedade internacional e apoio aos lugares mais impactados pela pandemia, (c) enfrentamento às mudanças climáticas, (d) combate à pobreza, à corrupção, à violência e ao desemprego e respeito aos direitos humanos. Faz parte da Agenda 2030 da ONU, por exemplo, difundir ao máximo o conceito de “economia circular”, conceito que implica em se desenvolver modelos de produção e consumo que reduzam a dependência em relação a recursos naturais não renováveis e ainda auxilie na diminuição da degradação ambiental e da produção de resíduos. 

Até mesmo os investidores, empresários e executivos, felizmente, começam a defender (e praticar) conceitos tais como “ESG”, “economia circular”, “economia da vida” ou “capitalismo consciente”. Simultaneamente, os consumidores, principalmente os mais jovens, já preferem adquirir bens e serviços de empresas que, além de valores morais e éticos já consagrados pela sociedade, também pratiquem atividades que podem ser caracterizadas como de “responsabilidade social”. São consumidores que se dispõem, inclusive, a pagar mais por produtos e serviços oriundos de empresas com essas características. 

Não à toa, a própria Bolsa de Valores brasileira, a B3, tem divulgado seu próprio índice (ISE-Índice de Sustentabilidade) para classificar as empresas listadas na Bolsa com relação ao conceito “ESG”, posto que há uma clara exigência dos investidores para que as empresas passem a praticá-lo. Nos países mais desenvolvidos, apenas como exemplo, já existem bancos que apenas emprestam, financiam ou realizam investimentos em empresas com o “Green Bond”, isto é, selo de sustentabilidade.

Estimativas da “Climate Bonds Initiative” indicaram que somente em 2020 foram emitidos cerca de US$ 257,5 bilhões em títulos de dívidas voltadas ao “ESG”. Crescimento de 36% quando comparado com o ano anterior. E já são diversos os fundos de investimentos que consideram os critérios “ESG” em suas análises, posto que o mercado tem maior “apreço” às empresas que difundem e praticam atividades voltadas a esses temas. Pesquisa global realizada pela BlackRock constata que 54% dos participantes consideraram o investimento sustentável como essencial para os resultados dos investimentos, 88% definiram o meio ambiente como a principal prioridade entre todas as demais e a integração ESG como a abordagem mais popular ao investimento sustentável, com 75% dos participantes considerando introduzir o ESG nas suas decisões de investimento. A própria BlacRock considera que o “risco de sustentabilidade – e o risco climático em particular – é um risco de investimento”. O conceito ESG está sendo, paulatina e definitivamente, incorporado às estratégias empresariais. 

Pelo visto, defender esses valores, além de ser correto, passou a ser um excelente negócio. Até porque se é necessário considerar o risco climático ou de novas pandemias nas tomadas de decisões governamentais ou empresariais, essencial também é ocupar-se de tarefas que diminuam esses riscos ao máximo. 
Já em 24.11.21 o AutomotiveBusiness, ao realizar debates com respeito à ‘governança socioambiental’, foi claro ao concluir que as “montadoras encaram ESG como assunto estratégico”. Disse a diretora de comunicação e sustentabilidade da Volkswagen, Priscilla Cortezze: “O setor de transporte responde por 16% das emissões globais, então somos responsáveis por isso. Na matriz, o ESG é um tema relacionado à área estratégica da montadora, algo que faz parte do negócio”. E complementou a diretora de comunicação e sustentabilidade da Toyota, Viviane Mansi: ESG “é termo que faz parte do negócio e deixou de ser algo restrito às questões ligadas às fábricas em termos de emissões e poluentes”.
A Anfavea (Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores), por sua vez, assinou acordo para reduzir a emissão de carbono no Brasil: “Mobilidade Sustentável de Baixo Carbono”. E a Randon, tradicional empresa brasileira que desenvolve soluções para o transporte e fabrica reboques, semi reboques e outros implementos rodoviários, até o final deste ano, deverá trabalhar somente com fornecedores que tenham “boas práticas ambientais”. 

Problemas gerados pelo aumento da temperatura, pelas inundações e deslizamentos de terra ou pela falta de água, por exemplo, quase sempre são causados pela ação do ser humano. A emissão de CO2 e outros gases de efeito estufa, o desmatamento e os incêndios florestais, a excessiva utilização de materiais descartáveis mas que resistem ao tempo etc., apenas evidenciam a necessidade de serem adotadas providências urgentes, posto que os impactos negativos na vida do ser humano, direta e indiretamente, serão cada vez maiores. 
Com o aumento do calor, por exemplo, espera-se baixa produtividade dos trabalhadores que operam ao ar livre, enquanto que inundações, seja pelo excesso de chuvas ou do avanço dos oceanos, implicam em danos físicos irreversíveis ou cuja recuperação é de altíssimo custo. Óbvio que as correspondentes interrupções dos processos de produção, com impactos e frequência maiores, desestruturam as cadeias de abastecimento e desorganizam quase toda a economia. Aumentos de custos e de preços, e certa generalização no processo inflacionário, são sentidos em todo o mundo.
Não há dúvida que as mudanças de clima, diferentemente de outras épocas, precisarão ser devidamente consideradas quando, tanto o setor público como o privado, forem planejar o futuro. Assim como os temas voltados à proteção das pessoas e dos ativos, da necessidade de se aumentar a resiliência, da imprescindibilidade de se reduzir a exposição, de se repensar o seguro e as finanças ou de se buscar a descarbonização. Há que se considerar, inclusive, a necessidade de se revisar os sistemas de auditoria e controle, de tal forma que sejam introduzidos indicadores que retratem os temas aqui abordados. Em especial aqueles relativos à saúde e à segurança dos funcionários, posto que manter trabalhadores bem cuidados, além de ser uma atitude correta e digna, ainda aumenta a produtividade empresarial.
É cada vez mais perceptível que essas novas práticas atendem exigências dos “stakeholders”, uma vez que fazer o que é certo está no radar de acionistas, funcionários, clientes, fornecedores e de toda a sociedade no qual esses empresas estão inseridas. Já em abril do ano passado, exatamente no dia 14.04.2021, o jornalista Marcus Nakagawa, ao escrever no Estadão o artigo “ESG e Sustentabilidade Empresarial”, deixou um recado claro e muito importante: “a análise do ESG é fundamental para a tomada de decisão dos investidores diminuírem seus riscos, além de responder às demandas da sociedade e do planeta, de uma forma monetizada, política ou de relacionamento positivo”.

Entretanto, se bem que não se pode ignorar as considerações feitas com relação a importância econômico/financeira dessas práticas, uma vez que implicam em aumento de competitividade empresarial, vale ressaltar os aspectos éticos, morais e de responsabilidade social envolvidos.

Minouche Shafic, diretora da London School of Economics and Political Science, ao escrever seu livro “Cuidar uns dos outros – Um novo Contrato Social” (Intrínsica, 2021), procura alinhavar os principais princípios que deverão ser considerados em face dos novos desafios – tecnológicos, demográficos e climáticos – que estão obrigando o mundo a se transformar e caminhar para a instalação de uma sociedade “mais generosa e inclusiva”, que compartilha riscos coletivamente e na qual “todos contribuem ao máximo”.

Está claro que maximizar o valor da empresa, agora e no futuro, é um dos objetivos empresariais, e que isso está diretamente ligado à responsabilidade que cada uma dessas empresas tem com seus clientes, funcionários, fornecedores, acionistas, comunidades e meio ambiente. Mas é dever, também, que todos fiquem atentos aos problemas que existem além de suas fronteiras de atuação, posto que os riscos de um pequeno desleixo, notadamente com relação aos temas aqui expostos, poderá provocar danos ainda maiores. Muito maiores.

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