Documento Eletrônico de Transporte (DT-e) é mais uma "jabuticaba" para elevar o Custo Brasil*

Publicado em
13 de Agosto de 2020
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Em análise na Câmara dos Deputados, Projeto de Lei 6093/19 – que implicará em gastos com planejamento e desenvolvimento de sistemas para adequação – direcionará para empresas privadas a geração e o controle de todas as operações de transporte, sem levar em conta os custos envolvidos, o sigilo das informações, a centralização e o direcionamento.

Existe um movimento, um tanto temerário – por parte de grupos vinculados ao transporte de cargas e alguns agentes financeiros –, visando impor novas normas ao segmento do transporte de coisas em todo o território nacional. Ou seja: a todo e qualquer transporte de cargas (rodoviário, aéreo, ferroviário, dutoviário, aquaviário, etc.), em que empresas privadas passariam a gerar e homologar o Documento Eletrônico de Transporte (DT-e).

Seriam as mesmas empresas que, atualmente, geram o Vale-Pedágio e o pagamento eletrônico dos autônomos: instituições integrantes do sistema financeiro nacional, instituidoras de arranjos de pagamento ou instituições de pagamento.

No momento, o Projeto de Lei 6093/19, de autoria do deputado Jerônimo Goergen, está em análise na Câmara dos Deputados e, se for aprovado, vem-se incorporar a um cipoal de obrigações fiscais, configurado em mais e mais despesas ao longo dos anos. Vale recordar: . Não havia custo específico na compra de caminhões e passou a existir o do Registro Nacional do Transportador Rodoviário de Cargas (RNTRC).

. Não havia custo do pedágio e passou a ter o do Vale-Pedágio, cobrado pela sua geração.

. Não havia custo com o pagamento dos autônomos e passou a ter o da geração do Código Identificador da Operação de Transportes (CIOT).

. Não havia custo para pagamento do Transportador Autônomo de Carga (TAC) e foi criado o Pagamento Eletrônico do Frete (PEF´s), por meio das Instituições de Pagamento Eletrônico de Frete (IPEF), que também cobram pelo serviço.

Acrescenta-se, ainda, o custo operacional de todas estas obrigações, que somado com os impostos, faz do transporte de cargas o segmento com o maior Custo Brasil de toda a história.

Sem contar que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) jamais poderia ter autorizado qualquer empresa privada a gerar o RNTRC em seu nome, pois isso equivale ao INSS, Receita Federal, Prefeitura ou Secretaria da Fazenda contratar empresas privadas para realizar o cadastro dos contribuintes.

Confira minha percepção sobre o que diz o projeto que dispõe sobre a instituição do DT-e: Art. 1º A Lei nº 12.682, de 09 de julho de 2012, passa a vigorar com as seguintes alterações:

Primeiramente, cabe ressaltar do que trata essa Lei: Dispõe sobre a elaboração e o arquivamento de documentos em meios eletromagnéticos.

Não tem nada vinculado ao transporte, o que parece muito estranho.

Art. 4º-A. Fica instituído o Documento Eletrônico de Transporte (DT-e), de emissão obrigatória para todos os modos de transporte de coisas em todo o território nacional, na forma da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, como instrumento único de contrato de transporte e de meio de conciliação e liquidação do pagamento da contraprestação do serviço de transporte.

A situação torna-se ainda mais confusa por constar no art. 4º da respectiva Lei: ….”As empresas privadas ou os órgãos da Administração Pública direta ou indireta que utilizarem procedimentos de armazenamento de documentos em meio eletrônico…”.

§ 1º O DT-e será o documento único que caracteriza a operação de transporte, contendo todos os dados tributários, logísticos, comerciais, financeiros, sanitários e demais obrigações acessórias regulamentadas pelos órgãos e entidades intervenientes no transporte, nas esferas federal, estadual e municipal.

A exemplo da instituição das demais regras citadas, esta aparentemente simplifica um procedimento. Porém, pela amplitude do que se propõe, seria necessário um consenso entre todos os órgãos públicos envolvidos (Sefaz, Receita Federal, Prefeituras, Meio Ambiente etc.), o que não justificaria um empenho desta natureza. Isso porque os custos envolvidos e o tempo gasto, em vez de simplificar e gerar um único documento, simplesmente incorporaria neste novo todos os demais documentos já existentes.

Tem mais. A contar com a aprovação do Projeto de Lei, como ficarão todos os Regulamentos de ICMS dos estados e toda a legislação municipal do país? Teriam que ser revistos ou será uma nova armadilha e passaremos a ter mais um novo documento?

As empresas já gastaram muito para atender o que já existe e terão que gastar, novamente, em planejamento, desenvolvimento de sistemas para adequação etc. por algo que aparentemente simplificaria mas vincula a outros custos. Ou seja: para a emissão de mais um documento haverá mais custos, afinal, “ninguém trabalha de graça” (vide Vale-Pedágio, CIOT, PEF, RNTRC).

§ 4º O DT-e somente poderá ser gerado por instituições integrantes do sistema financeiro nacional, instituidoras de arranjos de pagamento ou instituições de pagamento, nos termos da Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013, denominadas instituições geradoras do DT-e.

Fica claro, portanto, o que realmente está sendo proposto: direcionar para empresas privadas a geração e o controle de todas as operações de transporte, sem levar em consideração os custos envolvidos, o sigilo das informações, a centralização e o direcionamento. Em vez dos estados e municípios gerarem e validarem as informações, um grupo de investidores serão os donos da informação e da geração do DT-e em todo o Brasil.

§ 5º As instituições geradoras do DT-e deverão disponibilizar e transmitir ao Ministério da Infraestrutura os dados e informações constantes do DT-e.

§ 6º Compete ao Ministério da Infraestrutura regulamentar o DT-e e gerir os dados, informações e eventos nele registrados, bem como coleta, processamento, armazenagem, integração e disponibilização aos demais órgãos e entidades intervenientes no transporte, nas esferas federal, estadual e municipal.

Primeiro teremos empresas privadas gerando e, depois, um ministério, que mal consegue gerir as rodovias abandonadas do país, fazendo a regulamentação e administração dos dados.

Entendo ser inadmissível que a obrigação do Poder Público seja privatizada e que o contribuinte novamente pague a conta, enquanto os estados, a Receita Federal e as prefeituras ficam vinculados ou reféns do Ministério da Infraestrutura. Seria o mesmo que o Governo Federal terceirizar toda a sua estrutura tributária e financeira para os bancos privados para, desta forma, termos o controle de todas estas operações.

Concluindo: em vez de todos estarem preocupados com a Reforma Tributária, eliminando documentação, querem simplesmente criar mais obrigações com a bandeira “…pode simplificar e desburocratizar…”.

Por: Marco Aurélio Guimarães Pereira, Advogado tributarista (OAB/SP 106.430), sócio do Grupo Paulicon.

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