Combater a pandemia, a desigualdade e o desemprego, ainda são nossas prioridades.*

Publicado em
14 de Julho de 2020
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Artigo escrito por Paulo Roberto Guedes  (11/07/2020)

Simplificadamente, a realização da produção total de uma determinada sociedade ou país, conhecido como PIB (Produto Interno Bruto), depende da disponibilidade e da qualidade de três fatores de produção: mão de obra (MO), recursos naturais (RN) e capital (K). E que, dependendo do nível tecnológico utilizado para ‘misturá-los’, determinará o nível de produtividade e o volume dessa produção. A exigência que se impõe, além da utilização eficiente desses fatores, é conseguir volumes cada vez maiores do PIB, isto é, de Bens Econômicos & Serviços (BE&S), como forma de atender não só o crescimento populacional, mas também as necessidades e os desejos humanos, sempre em crescimento, principalmente neste mundo moderno e ainda consumista.

Uma vez obtida a produção de todos os BE&S, ela será direcionada, na forma de remuneração (pagamento), para os próprios fatores de produção citados. Remuneram-se a MO com salários, os RN com arrendamentos e o K com lucro, por exemplo. É com essa remuneração que os fatores terão a oportunidade de adquirir os BE&S produzidos. Compreende-se, consequentemente, que qualquer diminuição no nível de emprego dos fatores de produção, além de diminuir o volume de produção, também os deixará sem a devida remuneração. Com isso há uma queda na renda e consequente queda na demanda por BE&S. Não há demanda se não houver o emprego dos fatores produtivos, presumindo-se, portanto, que é necessário, em quaisquer circunstâncias, combater o desemprego de cada um deles.

No sistema capitalista o montante de remuneração dos fatores produtivos se dará pelas leis de mercado, mais precisamente pela lei da Oferta e da Procura. Os fatores mais escassos (demanda maior do que a oferta) ou complexos, receberão mais do que aqueles mais abundantes (maior oferta do que a demanda) e menos complexos. Valendo para todos os fatores de produção, fica implícito que dentro de cada um desses fatores, isto é, nos diferente tipos de MO, RN e K, a remuneração será definida de forma semelhante: MO mais qualificada (geralmente mais escassa), receberá mais do que a MO menos qualificada (geralmente muito mais abundante). Assim como RN mais escassos serão remunerados em melhores condições do que aqueles menos escassos. Evidencia-se, portanto, que o mercado e suas leis permitem a existência de processos de remuneração que privilegiam alguns fatores em detrimento de outros, gerando indesejáveis desigualdades. Portanto, é necessário, se não for possível evitar, minimizar os efeitos maléficos desses processos.

É correto afirmar, portanto, que somente com processos que remuneram de forma eficaz todos os fatores de produção será possível aumentos de produtividade, ou seja, fazer mais com menos. Bem remunerados será possível obter MO saudável e qualificada, RN protegidos e preservados e K moderno e tecnologicamente avançado, condições fundamentais para o melhor aproveitamento de cada um deles.

Considerando-se então essas exigências, é preciso que a MO tenha, por exemplo, assistência médico-hospitalar, saneamento básico, moradia, educação, segurança e oportunidades para evoluir. Já a natureza (RN) exigirá que sua exploração se dê de forma a não exauri-lo ou eliminá-lo, mas muito pelo contrário, posto que o exercício das atividades pertinentes precisam ser realizadas “à favor” dela, e nunca contra. Assim como o K, que precisará da inovação e de avanços tecnológicos crescentes, fundamentais, inclusive, para a melhor utilização dos demais fatores.

Nas cadeias produtivos atuais, de forma geral, o fator de produção mais abundante é a MO não qualificada e, consequentemente, aquela que recebe a menor remuneração entre todos. Infelizmente é essa MO não qualificada que compõe, por exemplo, a grande maioria da população brasileira, carente em quase tudo e vítima, sempre em primeiro lugar, de qualquer ‘desarranjo’ econômico. Principalmente quando o desemprego, estrutural ou circunstancial, a colocam para fora do processo produtivo (e também do consumo).

Pragmaticamente: MO sem saúde, sem qualificação, incapacitada para o correto exercício de sua profissão, ou desempregada, por todos os motivos possíveis, é um problema econômico e social gigantesco, gerando simultaneamente dois impactos extremamente negativos: 1º) diminui a capacidade produtiva, mesmo considerando que parte substancial dela possa ser substituída pela automação ou por robôs, e 2º) diminui a demanda por bens econômicos e serviços, na medida em que, fora do processo produtivo também estará fora do mercado de consumo. E demanda em queda, desestimula a produção e contribui diretamente para a desaceleração da economia.

Em face do que foi exposto até aqui, dois problemas a serem resolvidos pela ciência econômica podem ser traduzidos, simplificadamente repito, em: a) como produzir mais, e preservar e expandir, simultaneamente, os fatores de produção sem jamais ‘exauri-los’, e b) como organizar o processo de remuneração dos fatores de produção de forma que todos se sintam ‘satisfeitos’, devidamente recompensados, disponíveis e em condições para participar do processo produtivo seguinte. Errar em alguma das respostas é comprometer a produção dos períodos seguintes e agravar ainda mais a situação.

Diante desse cenário, justifica-se a intervenção do Estado, instituição criada para, entre outras tarefas importantes, ‘aparar’ algumas dessas imperfeições geradas pelas leis de mercado que, por si só, não consegue dar respostas corretas e justas para todos os problemas econômicos existentes, notadamente aqueles relacionados à busca de uma remuneração eficaz. É ao Estado que cabe, ao definir e estabelecer políticas de remuneração mínima, impedir que fatores produtivos essenciais à produção deixem de ser devida e corretamente remunerados. Como é o caso da política do salário mínimo, fundamental para proteger a MO mais abundante ou menos qualificada. Ou ao definir e estabelecer políticas específicas para a geração de empregos, de forma a combater impactos negativos gerados por processos produtivos que ‘eliminam’ MO. Inibir ou eliminar quando possível, atividades produtivas que exploram de forma predatória os RN, também é papel do Estado, aliás, objetivos das políticas de controle e proteção ao meio ambiente. Assim como as políticas de incentivo ao investimento privado são necessárias para permitir que empresários e investidores reponham o K ‘gasto’.  São muitos os exemplos de intervenção do Estado na economia, seja como investidor direto (investimentos governamentais em obras públicas, por exemplo), seja como responsável pela ‘regulação’ do sistema econômico (políticas econômicas).

O governo atual ignorou, desde a campanha eleitoral, as reais dificuldades econômicas, políticas e sociais da época, e sem um plano definido apenas acreditou, influenciado unicamente pelo “pensamento neo-liberal” prá lá de ultrapassado, que com drástica diminuição da participação do Estado na economia e deixando o “mercado” totalmente livre, as soluções para a crise econômica e outros problemas nacionais seriam “naturalmente” encaminhadas. Como já comentei em outras ocasiões, um erro enorme. Tão grande quanto aquele cometido pelos representantes de uma esquerda retrógrada que, acreditando em um Estado que tudo pode, ainda acredita no sucesso de um plano de governo elaborado por um grupo restrito de ‘sábios’ e sem qualquer participação da sociedade.

Como resultado, excetuando-se um conjunto de reformas estruturais, diga-se de passagem, necessárias e imprescindíveis para a modernização do País e do Estado brasileiro, algumas políticas específicas, notadamente com objetivos de buscar o equilíbrio das finanças do Estado, foram defendidas nos discursos do executivo. O objetivo era alcançar aquilo que o pensamento neo-liberal prescrevia. No caso das reformas, vale lembrar, apenas a reforma da Previdência, e sem o devido empenho do Executivo, foi aprovada. As demais (Administrativa, Tributária, Abertura Comercial etc.) nem sequer foram enviadas ao Congresso.

Não bastasse isso, o governo atual esqueceu que impactos positivos de reformas estruturais (quando elaboradas e implementadas corretamente) somente aparecem em prazos mais longos, e não compreendeu que os altíssimos níveis de desemprego e de desigualdade social já afetavam a grande maioria da população brasileira, que vivia, pelo menos desde 2013, tempos terríveis.

Ao focar somente providências voltadas ao combate do déficit orçamentário e não perceber que políticas para a geração de empregos e proteção do meio-ambiente, diante da situação crítica, também deveriam ter a mesma prioridade, o governo aprofundou a crise. Somente com MO empregada consegue-se manter uma demanda por BE&S suficiente - e essencial – para que empresários se sintam incentivados a investir no processo produtivo. De nada adiante “arrumar” a economia pelo lado da oferta, seja com empréstimos fáceis e juros subsidiados, incentivos fiscais, desonerações de impostos etc. etc., se não houver consumidor do outro lado.

Em entrevista ao Estadão, disse o presidente do banco Morgan Stanley no Brasil, Sr. Alessandro Zema: “Os investidores estão olhando três coisas: as reformas para gerar o crescimento, disciplina fiscal e a agenda ambiental”. E diante das dificuldades de se buscar tudo ao mesmo tempo, complementa Zema: “espera-se uma só coisa: frear a devastação predatória e ilegal (grifos meus) – ou seja, nada mais que a aplicação da lei. E isso não é o interesse de estrangeiros. É o interesse dos brasileiros desta e das futuras gerações” (Editorial Estadão de 11.07.20).

Disse em um painel de palestras, o coordenador do Monitor do PIB do IBRE/FGV, Claudio Considera: “O emprego não vai voltar na velocidade em que foi embora. Vai faltar renda, vai faltar demanda” (grifos meus).

À essa miopia do nosso governo, some-se o fato de que as políticas de austeridade adotadas no Brasil não ‘mexeram’ com as classes mais privilegiadas, aliás muito pelo contrário. Também não se mexeu nas inúmeras ‘transferências de renda’ feitas pela União, seja na forma de benefícios tributários, creditícios ou financeiros, sem retornos importantes para a sociedade. Segundo dados do Ministério da Economia, entre 2013 e 2018 esses benefícios resultaram num total de R$ 2.073,6 bilhões (valores de 2018), média de 5,66% do PIB por ano. Importante lembrar que nesse mesmo período o resultado primário médio do setor público foi negativo em R$ 71,2 bilhões (2013 foi o último ano de resultado positivo = R$ 91,3 bilhões).

O simples desmonte das políticas sociais fundamentais, significou prejudicar ainda mais a população carente, pois os gastos (melhor seria chamar de investimento) com educação, saúde e saneamento básico, principalmente, são destinados a essa parcela de brasileiros. Nessas condições, a MO, fundamental para a produção – desde que saudável e capacitada - e imprescindível para o aumento da demanda – desde que empregada -, foi mais uma vez deixada de lado! Total insensibilidade social, equivocada decisão econômica e completo desconhecimento do real papel do Estado.  

Lamentavelmente, a chegada do coronavírus no Brasil apenas agravou o que era muitíssimo grave. Em um País extremamente desigual e ‘beirando’ ao caos, a pandemia apenas acelerou e ‘descortinou’ uma crise que muitos negavam vê-la nas dimensões corretas. Se o combate à desigualdade já era um grande desafio para o Brasil, agora, com todos os problemas expostos, transformou-se em condição ‘sine qua non’. E o governo, tão ‘cioso’ com as contas públicas, se viu obrigado, diante da pandemia, gastar o que já não tinha. Só que num momento muitíssimo pior, adicionando mais dois, na contagem de anos perdidos!

Em entrevista ao jornalista Breno Pires, do Estadão de Brasília, dia 05.04.2020, disse o economista Joseph Stiglitz, ganhador do Prêmio Nobel de Economia: “O mundo do século XXI é um em que o governo terá de assumir um papel maior do que no passado – a razão pela qual eu defendo um capitalismo progressista. Quero enfatizar que os mercados ainda serão importantes. Mas não podem ser os mercados irrestritos do neoliberalismo. A desigualdade cresceu. E é por isso que nossa política ficou tão feia (grifos meus). Continua Stiglitz: “Bolsonaro está indo na direção oposta e isso significa que a proteção do meio ambiente será pior, e você estará exposto a mais doenças, e a educação será prejudicada. O futuro do Brasil está sendo colocado em risco (grifos meus)”. E finaliza: minha mensagem em parte é uma resposta ao dano que Trump está causando aos EUA. Precisamos dessa visão como uma alternativa à destruição de Trump à nossa democracia, economia e sociedade. Mas essas mensagens são ainda mais relevantes para o caso do Brasil. (grifos meus).

Muitos especialistas dizem que o mundo atual, inclusive e principalmente os países emergentes, como o Brasil, precisam combater de todas as formas, a desigualdade, agora muito mais visível. Outros acreditam que isto pode ser feito através do aumento da tributação, mesmo temporariamente, dos mais ricos e das grandes fortunas, pois isso não só melhoraria o processo distributivo como também melhoraria a arrecadação. Outros defendem a emissão de moedas e/ou o aumento da inflação como formas para se fazer com que a dívida pública diminua. Realizar investimentos públicos em infraestrutura e na construção civil – que não só geram empregos como também resolvem problemas imensos -, também são medidas propostas por outro grupo de especialistas. Há, inclusive aqueles que defendem a ‘internalização’ de parte das reservas internacionais para realizar investimentos ou cobrir parte da dívida pública. Enfim, são propostas para serem discutidas e analisadas.

Neste País, exceto em discussões acadêmicas ou jornalísticas, há alguém ou algum setor, do governo ou fora dele, do executivo ou do legislativo, fazendo o mesmo trabalho, isto é, analisando as diversas alternativas existentes e buscando caminhos para que o Brasil possa sair de forma digna desta crise e sem que se crie ainda mais dificuldades para as populações mais pobres e carentes?

Não temos um plano definido para combater a pandemia que, como se sabe, afeta muito mais as camadas mais pobres, não sabemos o que fazer para sair, desse período de exceção, desarticulamos as políticas sociais e não há qualquer preocupação objetiva para se combater o desemprego e a desigualdade. Políticas de comércio exterior, de meio ambiente, de saúde e educação, essenciais em quaisquer situações e épocas, há muito foram deixadas de lado. O que esperar do futuro próximo a não ser um caos ainda maior?

 

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