Coluna Futuro Fiscal: Dicas sobre o ICMS

Publicado em
19 de Janeiro de 2018
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Estudo dos aspectos do fato gerador do ICMS

De acordo com a melhor doutrina, o fato gerador de qualquer tributo é uno e indecomponível.

No entanto, cada fato gerador traz, em sua “hipótese de incidência” (previsão abstrata e genérica, estabelecida em lei), diversos aspectos relevantes que permitem a sua perfeita identificação e por decorrência a sua diferenciação quanto aos demais fatos geradores.

Para saber se determinado fato jurídico-tributário (conhecido como fato gerador) ocorreu, é necessário que todos os aspectos da hipótese de incidência sejam atendidos, entre eles:

a) ASPECTO OBJETIVO OU MATERIAL – a situação descrita na lei tributária como necessária e suficiente para o surgimento da obrigação tributária principal (o CTN, em seu art. 114, conceitua o fato gerador por esse aspecto, dado por muitos autores como o mais importante, juntamente com a base de cálculo). Caracteriza-se muitas vezes por uma ação verbal: comprar, vender, transferir, doar, remeter etc.

b) ASPECTO SUBJETIVO OU PESSOAL – composto pelo estabelecimento, em cada situação tributária, dos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária. O sujeito ativo é o Fisco, que, no caso da cobrança do ICMS, pode ser o Estado, o Distrito Federal e nos territórios a União; e o sujeito passivo é a pessoa que praticou o fato gerador ou aquele que a lei manda recolher o tributo.

c) ASPECTO QUANTIFICATIVO OU QUANTITATIVO – esse aspecto é formado pela base de cálculo (que para muitos autores é o elemento mais importante do fato gerador, associado ao “aspecto material”), que geralmente sofre a aplicação de uma alíquota (específica ou “ad valorem”).

d) ASPECTO ESPACIAL – que é dado pelo local onde, de acordo com a lei de cada tributo, o fato gerador se considera ocorrido.

e) ASPECTO TEMPORAL – determinado pelo momento (data) em que, de acordo com a lei de cada tributo, o fato gerador se considera ocorrido.

1.1      ESTUDO DO NÚCLEO OBJETIVO DO ICMS

No caso do ICMS, o núcleo objetivo (aspecto material) da hipótese de incidência se apresenta, de acordo com o que afirma o art. 155, II, da CF/88, tripartido, compondo-se:

I) da ocorrência de uma “operação relativa à circulação de mercadorias”;

II) da ocorrência de uma “prestação de serviço de transporte de natureza interestadual e intermunicipal”;

III) da ocorrência de uma “prestação de serviço de comunicação de qualquer natureza”.

CONCEITOS IMPORTANTES NO ESTUDO DO FATO GERADOR DO ICMS

I) Fato gerador – operação relativa à circulação de mercadorias

Para uma melhor compreensão dessa hipótese, é necessário que sejam esclarecidos os conceitos de:

a) OPERAÇÃO: de acordo com o ilustre professor Alcides Jorge Costa, “operação é qualquer ato voluntário que impulsione mercadorias da fonte de produção até o consumo, tenha ou não a natureza de negócio jurídico”. Em razão da necessidade de ser ato voluntário, fatos como “furto”, “roubo”, “perecimento”, “extravio” ou “deterioração” de mercadorias não configuram fato gerador do ICMS, pois acontecem independentemente da vontade do titular das mercadorias.

No entanto, a expressão acima grifada serve para evidenciar que fatos como “doação”, “simples movimentação de um estabelecimento para outro”, “simples remessa”, entre outras hipóteses, são, em princípio, tributados, pois em cada um deles a vontade do titular do bem está presente.

Para Geraldo Ataliba e Cleber Giardino: “operações são atos jurídicos; atos regulados pelo Direito como produtores de determinada eficácia jurídica; são atos juridicamente relevantes; circulação e mercadorias são, nesse sentido, adjetivos que restringem o conceito substantivo de operações”. (”Núcleo da Definição Constitucional do ICM”, Revista de Direito Tributário vols. 25/26, p.104).

Observamos que o conceito preferido pela Secretaria da Fazenda do Estado de Rondônia é o obtido por meio do professor Alcides Jorge Costa.

Observação 1: não incide ICMS na saída de máquinas, equipamentos, ferramentas ou objetos de uso do contribuinte, bem como de suas partes e peças, com destino a outro estabelecimento em razão de empréstimo ou locação, desde que os referidos bens voltem ao estabelecimento de origem.

Observação 2: Súmula 573 do STF – “Não constitui fato gerador do ICMS a saída física de máquinas, utensílios e implementos a título de comodato”.

O comodato constitui-se em empréstimo gratuito das coisas não fungíveis. Perfaz-se com a tradição do objeto. Sendo comodante o sujeito que cede a coisa, e comodatário aquele que recebe a coisa.

Existem três características essenciais a serem observadas:

a) gratuidade do contrato (não oneroso);

b) infungibilidade do objeto; e

c) aperfeiçoamento com a tradição deste.

A necessidade da gratuidade decorre de sua própria natureza; caso contrário, tal operação seria confundida com a locação, se fosse oneroso.

Exemplos:

1) Empresa D, fabricante de cadeiras de rodas, doou algumas para orfanato. Ocorreu a “operação”?

2) Empresa E movimentou estoques para sua filial. Ocorreu a “operação”?

Respostas:

1) Sim, a doação é um ato voluntário que impulsiona a mercadoria para o consumo.

2) Sim, houve uma operação visando o posterior consumo; neste caso deve-se afirmar que houve operação.

b) CIRCULAÇÃO: ainda de acordo com o professor Alcides Jorge Costa, “circulação é o encaminhamento da mercadoria em direção ao consumo. Este encaminhamento se faz através de operações que tanto podem ocasionar a transferência de propriedade ou de posse de mercadoria, como não.”

Do conceito acima colhe-se que “circulação”, basicamente, no campo do ICMS, é a “comercialização” da mercadoria (circulação econômica). No entanto, também são capazes de gerar a incidência:

1) Circulação física: nada mais é que a movimentação da mercadoria de um local para o outro, ainda que do mesmo titular;

2) Circulação jurídica: a mudança de titular da mercadoria, mudança de dono.

Exemplos:

1) Empresa A vende bois para a empresa B. Ocorreu a circulação? E se fossem automóveis? E se fossem carros usados?

2) Empresa X vende imóveis para a empresa Y. Ocorreu a circulação de mercadorias?

3) Empresa Z importa mercadoria e, mesmo sem receber, já a vende para a empresa W, que assume o encargo de retirá-la diretamente da estação aduaneira. Houve circulação?

Respostas:

1) Sim. O gado é considerado um bem semovente (que detém movimento próprio) e, quando vendido com finalidade de lucro, é considerado mercadoria (bens móveis, arts. 47 a 49 do CC, podem ser movimentados por força própria ou alheia), não importa se novo ou usado.

2) Não ocorreu, uma vez que os imóveis não entram no conceito de mercadorias.

3) Ocorreu a circulação de mercadoria, mudança de titular ou proprietário (circulação jurídica), incide ICMS.

c) MERCADORIA: como conceito de mercadoria, segue que: “mercadoria é todo bem corpóreo, móvel ou semovente, novo ou usado, colocado em circulação ou recebido para ser posto em circulação, como objeto do comércio”. Tradicionalmente, no Brasil, os imóveis não se conceituam como “mercadorias”, lembrando que essa realidade vale para o campo do ICMS.

Outra definição de mercadoria indica que a palavra derivada do latim merx, de que se formou mercari, exprime propriamente a coisa que serve de objeto a operação comercial. Ou seja, a coisa que constitui objeto de uma venda (De Plácido da Silva – Vocabulário Jurídico—9º Edição – Vol. III – Forense – pág. 181). Somente se denomina de mercadoria o objeto ou a coisa adquirida pelo comerciante ou mercador para servir de objeto de seu comércio, isto é, para ser vendida.

Para o ilustre Aliomar Baleeiro, “mercadoria é bem econômico que alguém, com o propósito deliberado de lucro, produz para vender ou compra para revender” (“ICM sobre Importação de bens de Capital para Uso do Computador”, Revista Forense vol. 250, p. 143).

Exemplos:

a) Empresa F vende energia elétrica para a empresa G. Ocorreu a circulação de mercadorias?

b) Empresa H compra e vende imóveis como sua atividade principal. Sobre a venda de imóveis incide ICMS?

Respostas:

a) De acordo com o art. 74, § 1º, do CTN, considera-se a energia elétrica um produto industrializado (tratamento como mercadoria).

b) Imóveis não são considerados mercadorias, portanto na sua compra e venda não incide ICMS, e sim ITCMD (nas doações ou transmissão causa mortis – ambas gratuitas) ou ITBI (nos atos inter vivos de forma onerosa).

Água canalizada não é mercadoria

Os estados seguem a regra de que a água, para ser considerada mercadoria, deve ser embalada para ser revendida. O STF entende não ser a água canalizada mercadoria sujeita ao ICMS, por tratar-se de serviço público (ADIn nº 2.224-5 – pleno – Rel. Min. Néri da Silveira – j. 30.5.20001 – DJU 1 de 13.6.2003, p. 8).

II) Fato gerador – prestação de serviço de transporte de natureza interestadual e intermunicipal

A expressão “prestação de serviços” pode ser assim desdobrada:

a) PRESTAÇÃO – (do latim “praestare” = satisfazer, cumprir uma obrigação) constitui-se no objeto de uma obrigação.

b) SERVIÇO – (do latim “servitium” = atividade, trabalho) a palavra que, desde sua origem, ligava-se à condição de escravo, passou, posteriormente, a designar todo o trabalho ou tarefa a ser executado por alguém, não somente o trabalho físico, como o intelectual.

Daí ter-se que “prestação de serviços” será um contrato de trabalho (que, como fato gerador de imposto, jamais será um indicativo de vínculo empregatício regido pela CLT) mediante o qual uma pessoa se compromete a prestar a outra, sem estar a ela subordinada, certa atividade, mediante remuneração (locação de serviço).

Observamos que a Lei Complementar n. 116/2003, que trata dos serviços tributados pelo Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza municipal, quando trata da tributação dos serviços, dispõe, em seu art. 2º, II, que não incide o ISS na prestação de serviços em relação de emprego, dos trabalhadores avulsos, dos diretores e membros de conselho consultivo ou de conselho fiscal de sociedades e fundações, bem como dos sócios-gerentes e dos gerentes-delegados.

Cabe aqui a importante constatação de que só é possível a cobrança do ICMS sobre o serviço de transporte quando um terceiro é contratado para realizar o serviço. Se o próprio contribuinte que vendeu ou que comprou a mercadoria faz o transporte em veículo próprio, não há que se falar sobre o nascimento da obrigação tributária de pagar o ICMS referente ao transporte. Trata-se de TRANSPORTE DE CARGA PRÓPRIA, e o contribuinte deverá fazer constar na nota fiscal, além dos dados do veículo de propriedade de sua empresa, a expressão: “Carga Própria”.

Dentro dos parâmetros acima, qualquer imposto sobre “a prestação de serviços” integra o campo dos “impostos sobre a circulação”, pois haverá circulação “econômica” (existência de uma fonte produtora e de um “iter” que se completa na figura do usuário final, figura irmã daquela do consumidor final).

c) TRANSPORTE – de acordo com Pontes de Miranda, transporte é o contrato pelo qual alguém se vincula, mediante retribuição, a transferir de um lugar para outro pessoa(s) ou bem(s).

No caso da “prestação de serviços de transporte”, poderá haver a incidência de dois impostos sobre a circulação, como segue:

III) Fato gerador – prestação de serviço de comunicação de qualquer natureza

A “prestação de serviços de comunicação” é exclusivamente do campo do ICMS, desde o advento da CF/88, como antes já foi estudado.

Observação: haverá incidência do ICMS, ainda nos casos em que as operações e prestações se iniciem no exterior, conforme art. 155, § 2º, IX, “a”, da CF/88. Ex.: ligação telefônica interurbana ou internacional a cobrar (DDI – discagem direta internacional a cobrar).

d) COMUNICAÇÃO: é o ato ou efeito de emitir, transmitir e receber mensagens por meio de método e/ou processos convencionados, quer através de linguagem falada ou escrita, quer através de outros sinais, signos ou símbolos, quer de aparelho técnico especializado, sonoro e/ou visual (Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1986, p. 443).

O significado jurídico de comunicação indica que a realização deste serviço só tem condição de ser configurado, para efeitos de incidência do ICMS, mediante a existência de duas ou mais pessoas (físicas ou jurídicas), nas qualidades de prestador e tomador (usuário) do serviço.

e) TELECOMUNICAÇÃO

Trata-se de uma espécie de comunicação cujo conceito se encontra na Lei Federal n. 9.472/1997, a saber:

Art. 60… § 1º – “Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza por fio, radioeletricidade, meios óticos, ou qualquer outro eletromagnético”.

De posse destas breves definições, é possível avançar sobre o estudo do núcleo objetivo do fato gerador do ICMS, que vem definido pelo art. 2º, e seus incisos, da Lei Kandir, que estabelece as “normas gerais” sobre o imposto.

Professor Vilson Cortez – Fiscal do ICMS de São Paulo, graduado pela Escola Naval onde formou-se Bacharel em Ciências Navais com ênfase em Engenharia Eletrônica em 1.991. Graduado em Engenharia Naval – ênfase em Estruturas – pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo em 1997. Bacharel em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba em 2002. Especialista em Direito Tributário pela Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo em 2008. Capitão – Tenente da Marinha do Brasil, atualmente na reserva em virtude de ter sido aprovado no concurso para Agente Fiscal de Rendas do Estado de SP em 1997, onde exerce suas atividades da Delegacia Tributária de Campinas. Leciona, há mais de 15 anos, as disciplinas Direito Tributário, Legislação Tributária Federal, Estadual e Municipal, Matemática, Matemática Financeira e Raciocínio Lógico Matemático, em diversos Estados. Autor de diversos livros e apostilas preparatórios para concursos.

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