Democracia sem adjetivos exige eleitores e dirigentes de qualidade.*

Publicado em
16 de Dezembro de 2017
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Ao escrever um novo artigo, é impossível, neste Brasil atual, não ser repetitivo, pois nada muda e, quando isso acontece, em muitos casos ainda é para pior. Os últimos episódios da política brasileira são exemplos ‘explícitos’ e indicam que nossa democracia, apesar de muitos discursos otimistas, corre sérios riscos.

Embora haja motivos para comemorar algumas mudanças, ainda estamos muito distantes de um País no qual a transparência e a integridade estejam presentes nas atividades de uma forma geral e, em particular, das atividades políticas. Como dito por Caio Magri, presidente do Instituto Ethos, em palestra no Fórum Estadão do último dia 13, ainda há a necessidade de se fazer, junto com a sociedade, as reformas institucionais e estruturantes que estabeleçam o que chamou de “Plano Nacional de Integridade”.

Por diversas vezes escrevi artigos para externar minha particular opinião de que, em nosso País, as eleições, embora realizadas através do voto popular, de há muito são manipuladas e controladas pelo poder econômico, afrontando claramente o Estado Democrático de Direito. “Pragmatismo Eleitoral e Marketing Político: Crimes contra o País?”, foi o nome do artigo publicado por mim, ainda em agosto do ano passado. 

O termo pragmatismo eleitoral, muito característico em épocas de eleições, foi utilizado naquele texto para resumir a estratégia de uma grande maioria de empresários e associações de classe para “ter acesso e estar bem junto a todos os candidatos e a todos os partidos políticos, uma vez que não se sabe qual deles será eleito”. Ou seja, é o empresário, associação ou grupo de interesse que, independentemente das ideologias, dos programas partidários ou dos valores éticos e morais defendidos pelos candidatos (se é que os possuem), fazem contribuições generosíssimas para suas campanhas políticas.

O único objetivo, como se sabe, é estar ‘de bem’ com os políticos e os governos eleitos, sejam eles quais forem. Eles sabem que a “fatura” será cobrada no futuro.

Minha base de argumentação sustentava-se no seguinte fato: as eleições brasileiras tiveram suas campanhas, sempre, financiadas pelas grandes empresas – de quase todos os segmentos econômicos - que, para não errarem, contribuíam para todos os candidatos e de todos os partidos políticos que disputavam as eleições do momento. Sem se preocuparem com quaisquer coerências políticas, acendiam velas para Deus e para os diabos (no plural, posto que no Brasil, em se tratando de política, os diabos são muitos). 

Esse jeito de se fazer política, carregado de “pragmatismo eleitoral”, não teve qualquer dificuldade de se estabelecer e evoluir em todo o Brasil e em quase todos os tipos de eleições. Onde havia um voto, havia um tipo qualquer de financiamento. Na política, no esporte, nas associações de classe e até mesmo em concurso de misses, sempre havia alguém “um pouco” mais interessado que os outros na eleição de seja lá o quê ou quem. O “jeitinho brasileiro”, “levar vantagem em tudo”, “a lei do menor esforço”, “é dando que se recebe” e o “mundo é dos espertos”, entre outras pérolas menos cotadas, contribuíram de forma efetiva e consistente para que se criasse um terreno cada vez mais fértil a “esse jeito de se fazer política”. Sem muita contestação, o fisiologismo e a corrupção prosperam e passaram a integrar o sistema político brasileiro.

Essa forma de relacionamento, entre os setores público e privado, foi o jeito encontrado para que grupos empresariais bem definidos alcançassem privilégios e benesses que, sem dúvida, jamais estarão à disposição da grande maioria da população brasileira. Seja por meio da aprovação de leis específicas, da emissão de medidas provisórias ou de instruções normativas encomendadas, de decisões da justiça ou da instalação de processos licitatórios de interesse, tudo poderia ser feito para proteger os interesses desses grupos que, infelizmente, tomaram conta do poder, em todas as suas esferas. Os crimes descobertos pelo Mensalão ou pelo Petrolão apenas ilustram essa forma “podre” de se fazer política.

E dada a realidade brasileira, na qual a maioria de nossa classe dirigente está com o “rabo preso”, a chantagem passou a ser, para políticos e empresários inescrupulosos, instrumento preferido de pressão. Também contribuiu para que isso se consolidasse, a fraqueza de muitos dos políticos alçados ao poder e de algumas das instituições do Estado brasileiro, posto que sem condições de reagir, acabaram por sucumbir perante a esse ‘estado de coisas’.

Deve-se ressaltar, ainda, que a centralização do dinheiro em Brasília e a criação de diversos institutos oficiais, responsáveis pela distribuição de recursos financeiros administrados pelo Estado (emendas parlamentares, fundo político-partidário, Sistema S, imposto sindical, transferência a fundo perdido ou financiamentos especificamente direcionados), também se transformaram em instrumentos de poder, de cooptação e de “aquietação”. 

Esse “capitalismo dos amigões”, como definiu Minxin Pei, do Claremont McKenna College da Califórnia (“O capitalismo dos amigos da China”), nada mais é do que a ”união instrumental entre empresários e políticos para permitir aos capitalistas amealhar riqueza, indiferente aos meios legais, e para propiciar aos políticos a preservação do poder”. Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central do Brasil, chama esse fenômeno – a forma pervertida de relacionamento entre o público e o privado - de “capitalismo companheiro”.

Uma das inúmeras mas consequências, é que esse conluio entre interesses políticos e econômicos “escusos”, criou uma barreira quase que intransponível para se realize uma verdadeira competição no sistema empresarial brasileiro e a se instalem mudanças institucionais inovadoras e criativas no Brasil. Sem dúvida, ficou muito mais difícil promover uma efetiva abertura comercial e alcançar níveis maiores de eficiência produtiva. O setor industrial, nos últimos 15 anos mais especificamente, é um grande (e mau) exemplo.  

Alketa Peci, pesquisadora e professora da EAESP da Fundação Getúlio Vargas, em artigo publicado no último dia 12, no Nexo Jornal, comenta sobre a necessidade de termos “mais pesos e contrapesos na representatividade dos cargos decisórios da burocracia pública, tornar mais transparentes processos de escolha dos cargos de confiança e incentivar expertise e profissionalismo na elaboração dos contratos do setor público”, como forma de se evitar “esquemas espúrios, porém altamente estruturados, de relações entre políticos e empresas privadas” (grifos meus). E mais: “as evidências que se acumulam apontam para existência de cartéis que monopolizam, sistematicamente, compras públicas em importantes áreas de políticas públicas, como infraestrutura e saúde. As consequências são claras: orçamentos superfaturados, obras não concluídas, serviços públicos interrompidos ou mal prestados à população”.

“Esses grupos se protegem da competição, numa ação que tende a fechar a economia e barrar a eficiência”, vindo a ser, talvez, “a principal razão do atraso brasileiro, pois esses “grupos de interesse, em conluio com o governo, expropriam o futuro da nação”, já disse em 2006, Douglass North, prêmio Nobel em Economia ao fazer uma série de análises sobre o Brasil.

A Lava Jato mostrou de forma clara e inequívoca a instalação desse “capitalismo companheiro” no Brasil, responsável, entre outras, pela perda, por parte do povo brasileiro, do poder político, agora transformado em propriedade particular. 

Mesmo com a Operação Lava Jato em andamento, e ademais de todos os problemas que isto ainda poderá representar, esse tipo de classe dirigente continua tratando a população brasileira – e consequentemente os seus eleitores – como verdadeiros idiotas, ao insistirem na manutenção de um sistema político atrasado, cujo objetivo maior é manter a população distante da verdade e sem condições de influir coerente e corretamente no processo 

Consequentemente, uma vez transformado o Estado brasileiro em balcão de negócios e fortalecida essa promíscua relação entre políticos e empresários, têm-se a própria Democracia em perigo. O poder econômico corrompe o poder político (e vice-versa) e os dois juntos, através de caro e eficiente marketing político, continuam iludindo e enganando a maioria da população brasileira, com os objetivos únicos de se perpetuarem no poder e manter privilégios. Não tenho dúvidas que o combate à corrupção e a reforma da previdência são providências necessárias e insubstituíveis, e que precisam ser buscadas por qualquer governo. Mas transformar esses objetivos em “soluções definitivas” para todos os problemas brasileiros, é um grande perigo. “Quando a chamada luta contra a corrupção desvia a atenção da sociedade desses objetivos estruturais (reformas legislativas e do serviço público e ampliação da privatização, por exemplo) e desorganiza o funcionamento do sistema político, o efeito colateral inevitável é a conservação dos privilégios, a perpetuação das injustiças distributivas patrocinadas pelo Estado e a completa perda de dinamismo da economia”, escreveu Roberto Brant (ex-ministro da Previdência) no Estadão de 29.10.17.

É claro e óbvio, portanto, que para sair do caos no qual o Brasil se meteu, é fundamental que se tenha um sistema político moderno, lideranças responsáveis e comprometidas com o bem do País e um eleitor consciente.

Lamentavelmente a maioria das lideranças políticas e empresariais (incluiu-se grande parte das associações de classes, dos sindicatos patronais e de empregados, das organizações não governamentais e de outras entidades representativas dos diversos segmentos que compõem a sociedade brasileira) não têm interesse no combate à corrupção nem tampouco na realização de reformas que possam colocar seus privilégios em perigo. Além disso, esses “donos do poder” não estão muito acostumados a trabalhar em ambientes que privilegiam transparência, integridade, honestidade, competência e, muito menos, a integração com os demais atores da sociedade. Infelizmente ainda preservam conceitos e padrões ultrapassados e resistem a quaisquer alterações do sistema vigente. 

Humberto Laudares, especialista em políticas públicas e desenvolvimento (Ph.D em Economia pelo Graduate Institute, em Genebra), em artigo para o Nexo Jornal, do último dia 12, chama a atenção para o fato de que “alguns partidos no Congresso se gabam de terem uma bancada jovem e atuante. Quando olhamos seus sobrenomes, logo percebemos que são herdeiros de dinastias políticas. Herdam o partido, os cabos eleitorais, os eleitores e os financiadores de campanha. Hoje, seis em cada dez congressistas têm parentes na política”. O mesmo acontece, acrescento, com a maioria dos sindicatos, associações de classe, federações ou confederações empresariais, nas quais a renovação é quase que inexistente! De nomes e de pensamento!

O problema, conforme responde o próprio Laudares, é que “a renovação na política implica uma mudança qualitativa na forma como a política é feita, segundos os bons e velhos princípios democráticos e republicanos, para que o cidadão comum participe ainda mais dela. E isso não se faz com repetição de práticas que já se mostram frágeis, ou variações de uma nota só (grifos meus). 

O professor Marco Aurélio Nogueira, da UNESP, em artigo no Estadão (“O valor estratégico dos democratas”) foi claro e objetivo a respeito disso: “o vazio de lideranças é a cereja do bolo. O sistema político, partidário e eleitoral está próximo da exaustão, precisa ser atualizado. E emenda: “nossos políticos são toscos e o processo em curso é complexo e sofisticado demais para eles. Não há estadistas entre nós, nem sequer simulacros deles”. 

E a qualidade de uma democracia depende, diretamente, da qualidade do eleitor, dos políticos e de seus respectivos partidos! “Que dureza”!

Para romper esse ‘ciclo vicioso’ é preciso que a sociedade tenha coragem para fazer o que precisa ser feito e deixar de fazer o papel do “sapo” na panela de água que vai esquentando. A classe dirigente, por sua vez, precisa estar à altura deste momento. 

Se a Democracia é o único caminho viável para o reconhecimento e a correção dos erros cometidos, a reforma dos sistemas político e partidário precisa ser feita, pois caso contrário não haverá a transparência, a integridade e a imparcialidade desejadas. E a economia também sofrerá com isso. 

E se com a atual classe dirigente brasileira não podemos contar, as novas eleições estão bem próximas. Votar bem é mais do que obrigação.


* Paulo Roberto Guedes é consultor de empresas e professor do curso de Logística Empresarial do GVPec, da EAESP/FGV. É colunista do Guia do TRC.

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