Artigo - Dividir para Compreender*

Publicado em
24 de Novembro de 2015
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A discussão em torno dos aspectos regulatórios do TRC evidencia um ponto que me incomoda já há muito tempo: não se pode tratar o setor como algo monolítico, homogêneo. Ele não é assim. Cada especialização do TRC tem características e peculiaridades que exigem tratamento diferenciado.

Pretender colocar todas elas em um balaio só, em termos de regulação, é um temeridade – ou, simplesmente, uma inutilidade. As normas acabam sendo tão amplas e superficiais, que não servem para quase nada. Ou, quando entram em detalhes, acabam sendo inaplicáveis a uma parte do setor.

Não estou afirmando que esta é a única razão pela qual várias tentativas de disciplinar o TRC acabaram não apresentando resultados duradouros ou tão efetivos quando se desejava. Estou apenas colocando uma hipótese de trabalho: a de que este seja um dos principais obstáculos a serem superados, na busca de uma regulamentação virtuosa e eficaz. Se ela estiver certa, como imagino que esteja, vamos ter de nos entregar a um trabalho hercúleo que, por isso mesmo, tem sido sempre adiado.

Como classificar os diversos tipos e especializações do TRC? Podemos imaginar alguns critérios. Por exemplo:

1.- Quanto à natureza do transporte: carga própria ou de terceiros. Em ambos os casos, pode ser: mercadoria ou carga sem valor comercial, rejeitos, lixo etc., ou mudança.

2 - Quanto ao tipo de carga: embalada ou a granel (granel líquido, sólido ou gasoso); carga comum ou carga perigosa; com ou sem temperatura controlada; carga viva; carga industrial, commodities agrícolas ou minerais.

3.- Quanto ao tipo de operação: carga fracionada ou carga fechada, inclusive containers.

4.- Quanto ao âmbito do transporte: doméstico ou internacional; o primeiro pode ser urbano ou rodoviário ou, ainda, municipal ou metropolitano (se urbano); estadual ou interestadual (se rodoviário).

5.- Quanto ao tipo de veículo: tantos quantos forem os tipos de carrocerias, reboques ou semirreboques.

Também é possível combinar esses critérios para identificar as principais especializações, que mereceriam uma classificação especial, no âmbito do RNTRC. A única vez que se tentou fazer isso – porém sem um critério rigorosamente técnico e lógico –, foi com Portaria DG-05, do DNER, de fevereiro de 1978. Mas não existiam naquela época os meios tecnológicos de que dispomos hoje, o que tornou muito difícil a tabulação dos dados e o reconhecimento das diversas especializações então listadas. Depois daquela experiência, nunca mais se tentou nada parecido.

Suponho que existam de 15 a 20 especializações relevantes que, juntas, representam bem mais de 90% de todo o movimento físico do TRC – e mais ainda do valor total das cargas transportadas.

Perfeitamente definidos e descritos, esses segmentos estariam aptos a ser reconhecidos como classes e subclasses do “Código Nacional das Atividades Econômicas” (CNAE), do IBGE. E, a partir daí, poderiam merecer tratamento regulatório diferenciado, inclusive sob o ponto de vista tributário, creditício, trabalhista, de convenções coletivas de trabalho etc.

Essa é uma das razões pelas quais tenho depositado tantas esperanças no novo RNTRC, cujo recadastramento ora se inicia. Se juntarmos a ele o CT-e e o MDF-e (conhecimento e manifesto eletrônicos) – que em pouco tempo deverão estar completamente implantados no país inteiro –, teremos todas as informações e condições técnicas de, pela primeira vez, conhecer e reconhecer este setor gigantesco, não só pelos seus dados agregados, como hoje o tratamos (quantidade de operadores, frota, empregos gerados, participação no PIB etc.), mas pelos detalhes de seus inúmeros segmentos, que jamais puderam ser revelados (salvo algumas exceções, como o transporte internacional e o de produtos perigosos, por terem legislação específica há muitos anos).

Além do mais, valeria a pena começar a identificar e quantificar os operadores que atuam nos mercados primário e secundário (contratação e subcontratação de frete), tal como tenho defendido em outros artigos e palestras, o que permitiria mensurar o peso real da terceirização no setor e em que exata medida ela falsifica a oferta e, por consequência, deprime os fretes, em cada segmento.

Estou convencido de que, enquanto não mergulharmos para valer nesse mundo desconhecido, para desvendar todos os seus mistérios e segredos (que são muitos e bem guardados), o TRC não terá o disciplinamento eficaz que seus operadores sempre aspiraram. E, a bem da verdade, que a sociedade brasileira também exige, já que ela, em larga medida, é vítima de graves externalidades dessa atividade que, nem por ser estratégica e essencial, precisa ser tão agressiva, do ponto de vista ambiental, da segurança do trânsito, da segurança do trabalho, do consumo de combustíveis, para citar apenas alguns de seus impactos mais significativos.

A regulação que sempre defendi é a que produza um TRC mais eficiente para os seus clientes, mais seguro para os seus trabalhadores e mais amigável para o conjunto da sociedade.


*Geraldo Vianna é advogado, consultor em Transportes, ex-presidente da NTC&Logística e Diretor da CNT.

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