Opinião: avaliação de R$ por quilômetro é um parâmetro que simplifica, mas não explica tudo.*

Publicado em
29 de Outubro de 2014
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Tenho participado de palestras nas quais se discutem o aumento do custo logístico nas empresas e nos países.

Valendo-se de estatísticas publicadas por instituições que estudam a logística, representantes empresariais e executivos brasileiros, dos mais diversos segmentos econômicos, têm apontado o aumento dos custos logísticos como um daqueles que mais contribuem para a diminuição das margens da rentabilidade das empresas usuárias.

De fato, é incontestável que em um país com as dimensões continentais como o Brasil, e considerando ainda sua precária infraestrutura logística, os custos relativos à movimentação de mercadorias (insumos ou produtos finais), têm aumentado de forma significativa e, até mesmo, acima dos demais custos operacionais. É óbvio e importante reconhecer também que um desenho logístico “ineficaz” contribui para que esses aumentos sejam ainda maiores.

Por outro lado, independentemente do tipo de problema, compreendemos que a sua solução está, antes de tudo, na realização de um diagnóstico preciso e confiável. Do contrário, correremos sérios riscos, posto que determinadas “soluções” não atacarão o principal problema e poderão se limitar a um processo de “tentativa e erro”. Nesse processo, se tivermos sorte, poderemos encontrar a solução já na primeira tentativa. Como a “sorte” nem sempre está disponível, incorremos em danos que, às vezes, são irreparáveis. Imagine-se um médico receitando remédio para seu paciente sem saber exatamente qual a causa da doença!

Portanto, o correto diagnóstico é imprescindível e fundamental para se buscar e desenvolver soluções efetivas. E esse diagnóstico somente será possível a partir de processos de medição que reflitam a operação que se quer analisar¹.

E isto também serve para a logística: fruto de nossa experiência no setor, observamos que, de uma forma razoavelmente “corriqueira”, diagnósticos mal feitos, também frutos de medições incorretas, têm gerado soluções incompatíveis (na verdade não é solução) e, portanto, ineficazes. Em alguns casos agravando ainda mais os problemas já existentes.

Na edição nº 34 de 2013, da Revista Mundo Logística², quando busquei demonstrar a diferença entre “gasto” e “custo” logístico, procurei explicar que o simples cálculo do percentual dos custos logísticos com relação à receita líquida das empresas, sem uma análise mais detalhada, pode nos levar a erros. Fiz o seguinte comentário: “Há empresas, inclusive, que acreditam estar aumentando seus custos logísticos por conta de “ineficiência” da logística, quando, na verdade, estão aumentando seus gastos por vender ou comprar de localidades mais distantes”.

E mais, “afirmações de que os custos logísticos estão sempre aumentando (seja em relação à receita total das empresas ou dos PIBs nacionais) precisam ser avaliadas com cuidado e de forma ponderada, pois a simples comparação de gastos logísticos entre um período e outro pode não significar aumento dos custos logísticos, mas, sim, do aumento com gastos logísticos, oriundo da introdução de novas, mais complexas e mais abrangentes operações. Utilizam-se, para comprovar “incorretamente”, a equação R$ por km, como se outras variáveis, tais como tempo, complexidade e estratégia de compra ou distribuição (alcançar mercados distantes), não tivessem qualquer importância na composição dos custos operacionais ou, no mínimo, não fizessem parte das decisões empresariais maiores”.

 

Como se sabe, mais de 60% dos custos logísticos brasileiros são oriundos do transporte de carga (destes, mais de 88% são com transporte rodoviário), sendo muito comum a utilização da equação R$ por km (custo logístico total de transporte dividido pela quilometragem total percorrida nessas operações, carregadas ou não), como principal, se não único, índice de desempenho e de avaliação das atividades do transporte. Para muitos é o índice que mede o nível de eficiência das operações de transporte de cargas.

Portanto, mais precisamente no transporte rodoviário de cargas, se de um período para outro o valor do R$/km aumentou, a conclusão, simplista a nosso ver, é a de que se teve aumento no custo desse transporte. Esse entendimento distorcido do problema gera, como consequência, avaliações incorretas e propostas que não resolvem as questões existentes, focando-se em variáveis de menor importância e sem quaisquer considerações a outras muito mais determinantes. Daí nossa observação, no artigo já citado, de que mesmo que tenhamos tido aumento dos gastos com transporte, não necessariamente estamos tendo aumento de custos com transporte. Embora possa ser difícil diferenciar essas duas palavras, é imprescindível sua compreensão, como única forma de se entender corretamente o tema aqui discutido.

Vejamos diversos exemplos: quando se consideram as diferentes condições (qualidade) das estradas, o custo do quilômetro rodado em São Paulo é o mesmo do Nordeste? Podemos considerar iguais os valores por quilômetro tanto nas operações rodoviárias quanto nas urbanas? Locais com altos índices de roubo de carga terão o mesmo custo por quilômetro se comparados a locais com baixos índices? Operações de lotação e fracionados têm os mesmos custos? E quando comparamos R$/km de operações dedicadas com aquelas não dedicadas? Para a mesma região, mas em épocas diferentes (época de chuvas, por exemplo) não há diferença de custos? Entregas programadas (cujo tempo para carga e descarga é claramente definido) “versus” entregas não programadas? Operações com contratos firmes e operações “spot”? Com idênticas quilometragens e tipos de equipamentos, mas com tempos de viagens totalmente diferentes, quando consideramos aumento do tempo de tráfego diante dos congestionamentos nas grandes cidades? Ou em função das restrições operacionais impostas para essas cidades? É óbvio que a resposta para todas essas perguntas é não! Para todos os casos citados, as tarifas por quilômetro jamais poderão ser iguais.

Imaginemos que tipo de avaliação nós estaremos fazendo se, em face de melhor aproveitamento dos equipamentos de transporte, conseguimos transportar mais metros cúbicos do que antes em uma mesma viagem! Como ilustração: R$ 10,00 por quilômetro rodado de uma determinada viagem que carregava 60 m³ de mercadorias também serão R$ 10,00 por km rodado, mesmo transportando 70 m³. Mesmo que o valor por quilometro aumente 10% (saindo de R$ 10,00 para R$ 11,00), haveria diminuição no custo do transporte, pois o aumento na produção foi de 16,7%! Enquanto no primeiro caso tínhamos R$ 0,17 por m³, no segundo caso estamos tendo R$ 0,16 por m³. Melhoria de 5,7% nos custos de transporte.

Por esse motivo, existem dezenas de planilhas a respeito das tarifas do transporte rodoviário de cargas, mesmo quando se trata de valor do quilômetro rodado. Há planilhas por tipo de equipamento (van, caminhão até 12 toneladas, caminhão acima de 12 toneladas, carreta, etc.), por faixa de quilômetro (de 0 a 100 km, de 101 a 200 km, e assim por diante), por tipo de operação (lotação, fracionado), por tipo de carga (líquido, paletizado, carga solta, etc), por destino (norte, sul, etc.), por tipo de produto (agrícola, industrial, de alta tecnologia, etc.), etc.

Porém, e aqui vai nossa crítica, parte-se sempre da condição de que outras variáveis – como aquelas aqui já citadas – são imutáveis e não têm qualquer impacto no custo do transporte. Ou seja, uma vez definida a tarifa para determinada faixa de quilômetro, para determinado tipo de equipamento, de carga e mercadoria, com origem e destino determinados, não há nada mais que possa influenciar, para mais ou para menos, essa tarifa (R$ por km). Segundo a maioria dos diagnósticos, qualquer alteração nessa relação de valor por quilômetro é fruto do nível de eficiência da operação ou do nível dos custos dos insumos necessários.

Como já comentado anteriormente, mas importante salientar, mesmo para operações de transporte idênticas (na quilometragem percorrida, no equipamento de transporte, no tipo de mercadoria ou de carga, na origem e no destino e no tipo de operação), existem diversos outros fatores com impactos significativos no valor final da tarifa, mas que, infelizmente, são desconsiderados.

Ora, ao considerar apenas essas duas variáveis (valor da tarifa e o quilômetro percorrido), todos somos levados a uma simplificação que possibilita erros importantes de avaliação e que nem sempre reflete a realidade da operação em questão.

Consequentemente, toda a pressão é voltada para se diminuir o valor por quilômetro rodado (salutar em quaisquer circunstâncias) e uma tarefa única e exclusiva do transportador ou de quem compra esses serviços. Em muitos dos casos, não é aqui que está o problema.

O aumento do tempo das viagens, oriundo do aumento do trânsito, das péssimas condições da maioria das estradas brasileiras, do tempo de carga ou descarga devido à falta de espaços nas plantas de remetentes ou destinatários, da restrição de trânsito em diversos lugares das grandes cidades (ou mesmo por causa do rodízio), ou da insegurança, por exemplo, fazem com que haja maior aumento do custo fixo do transporte. E, para esses problemas, a solução não está naquele que administra o transporte. Embora com grandes impactos nos custos de transporte e, consequentemente, nos custos logísticos, a solução para esses problemas foge do controle de quem os administra.

O Decope, Departamento de Custos Operacionais, Estudos Técnicos e Econômicos da NTC&L (Associação Nacional das Empresas do Transporte de Carga & Logística), em recentes estudos comentou: “Como se sabe, o setor ainda tem como agravante de custos os gargalos da infraestrutura, que vêm reduzindo, sobremaneira, a produtividade. Para não enumerar todas as deficiências de infraestrutura, seguem algumas, tais como: restrições à circulação nos centros urbanos, que hoje alcançam mais de 100 municípios em todo Brasil, barreiras fiscais, a ineficiência nos terminais dos embarcadores e as questões trabalhistas, que ganharam várias exigências adicionais com a Lei 12.619 de junho de 2012. Fora a situação precária da infraestrutura rodoviária e portuária que as empresas têm que enfrentar, além da grande escassez de mão de obra qualificada no setor, notadamente de motoristas”³.

Diante do exposto e considerando que os prestadores de serviços logísticos, incluindo-se o transporte, desenvolvem soluções personalizadas e adaptadas às exigências e necessidades de cada cliente e que, por não terem solução única, elaboram suas tarifas com base em projetos desenvolvidos especificamente para esse cliente, nos quais a relação custo/benefício é fator de maior importância, podemos concluir que:

1º) parcela significativa do aumento dos gastos logísticos é resultado de mudanças estratégicas das empresas, quando descobrem novos mercados – mais distantes e complexos, tanto para aquisição de insumos como para venda de produtos acabados, nada tendo a ver com o grau da “eficiência logística”. Como já comentado anteriormente², o aumento de “gastos logísticos entre um período e outro pode não significar aumento dos custos logísticos, mas, sim, aumento com gastos logísticos, oriundo da introdução de novas, mais complexas e mais abrangentes operações”;

2º) parte importante, ou até mesmo a sua totalidade, do aumento do valor por quilômetro das mercadorias transportadas, deve-se a fatos externos às específicas atividades de transporte e não, necessariamente, à qualidade do operador ou da solução apresentada; e

3º) juntamente com o índice R$ por km, devem ser analisados outros índices que reflitam diferentes operações de transporte e suas diferentes complexidades, tais como volumes transportados, tempos de viagem, tempos de carregamento e descarregamento, região e locais das operações, tipos de mercadorias, etc.

A não consideração desses pontos, em quaisquer análises sobre a eficiência das operações logísticas e, mais especificamente, das operações de transporte de cargas, nos levará a diagnósticos incorretos, injustos e, consequentemente, prontos para indicar soluções que, na melhor das hipóteses, não têm qualquer efeito, podendo, em cenários mais pessimistas, agravar ainda mais aquilo que já era crítico.

 

¹ “Balanced Scorecard’, sistema de gerenciamento estratégico criado por Robert Kaplan e David Norton, nos ensina que não se pode gerenciar o que não é medido. Acrescente-se: dados precisam ser transformados em informações e estas em conhecimento. Os famosos KPI’s (key performance indicators) precisam trazer, ao final de tudo, conhecimento sobre as operações ou atividades que se quer analisar.

² “Gastos e Custos Logísticos: É preciso Diferenciá-los para Melhor Compreendê-los”. Artigo publicado na Revista Mundo Logística nº 34, em maio/junho de 2013;

³ Comunicado publicado em 31.01.2014 pelo Decope, Departamento de Custos Operacionais, Estudos Técnicos e Econômicos da NTC&L (Associação Nacional das Empresas do Transporte de Carga & Logística).

Paulo Guedes é atualmente diretor-presidente da Veloce

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