PARA NÃO CONTINUAR ERRANDO - Mais economia e menos finanças (Parte 1)*

Publicado em
18 de Dezembro de 2019
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Nesta época de “final de ano” são muitas as palestras e conferências para falar sobre a economia atual e as perspectivas para o ano que se aproxima. Há, de fato, por parte de executivos, empresários, homens de negócios e cidadãos das mais variadas profissões e classes, uma procura intensa para saber para “onde vamos”. Também os principais meios de comunicação tem promovido extensas “mesas redondas” nas quais esse assunto é debatido.
 
E confesso, tenho ficado desanimado e até mesmo triste, pois a complexidade dos problemas nacionais, quiçá de todo o mundo, é de tal ordem e envergadura que exigiria um conjunto de soluções políticas, econômicas e sociais, muito mais profundas e estruturais do que se tem visto nessas discussões. Talvez por ignorância, desconhecimento, imprecisão histórica ou até mesmo propositalmente (má fé?), a abordagem é feita a partir de diagnósticos incorretos e superficiais e não atinge o cerne das questões. E com diagnósticos mal feitos, passa-se “ao longe” das efetivas e concretas soluções. Desculpando-me antecipadamente pela ousadia, este artigo é uma tentativa de explicitar meu entendimento a respeito, uma vez que aqui estão os principais motivos de ‘tamanha’ desilusão e tristeza. Ficarei muito mais feliz se estiver errado. 
 
Não há muito dúvida quanto ao fato de que o Capitalismo, como hoje ele é praticado, está a exigir uma certa “renovação” ou, se quiserem, uma adaptação aos novos tempos, posto que alguns dos problemas deste modo de produção, ainda carecem de solução. Paralelo a isso, observo que há uma crença exarcebada e cega, ao se ‘creditar’ somente ao “mercado livre”, a solução para a totalidade dos problemas econômicos. Contrariamente à fé dos “novos liberais”, o liberalismo econômico, como está posto, jamais resolverá todos os problemas da economia e muito menos os da sociedade, totalmente interdependentes dos problemas sociais e políticos. É preciso, inclusive, que se corrija o pensamento, quase único, de grande parte das classes dirigentes quanto a isso.  Assim como é fundamental compreender que a ciência econômica é uma ciência social, e portanto não é uma ciência exata, que apenas teria o objetivo de “economizar recursos”, isto é, buscar a eficiência produtiva, em detrimento de quaisquer outros objetivos. A ciência econômica, em seu entendimento mais abrangente e correto, também tem como um de seus principais objetivos, encontrar a melhor forma de se distribuir a produção de bens econômicos e serviços produzidos, de forma a manter seus cidadãos justa e corretamente recompesados.
 
Em resumo, mesmo que suscintamente e sem querer esgotar as discussões a respeito, acredito ser fundamental abordar quatro pontos importantes que, de forma conjunta tem tirado o “sono” das pessoas de bem: a) o Capitalismo, que apesar dos acertos está cada vez mais concentrador de renda; b) a ditadura dos mercados, que sempre vê a participação do Estado como um ‘desastre’; c) a ciência econômica, diminuida em seu conteúdo e transformada em administração de caixa; e d) a miopia das classes dirigentes que, queira-se ou não, são as maiores responsáveis pela manutenção de um “status quo” ultrapassado. 
 
Para ser mais didático, dividi o texto em três partes: a primeira (Mais economia e menos finanças) é para fazer breves comentários a respeito da ciência econômica; a segunda (Capitalismo do século XXI) abordará um pouco as dificuldades, as críticas e possíveis alternativas para a manutenção e o aperfeiçõamento do modo de produção capitalista; a terceira e última parte (Classes dirigentes precisam viabilizar o Mercado e o Estado) fará observações a respeito das classes dirigentes, mercado e Estado.
 
Nos milhares de livros já publicados, mesmo diante de formas diferentes de se conceituar, uma característica comum, embora com algumas contestações (1), é a aceitação de que o conjunto de estudos que se faz sobre os fenômenos econômicos de qualquer sociedade, seja classificado como ciência. Outra característica aceita é a de que esse conjunto de estudos refere-se a uma ciência social. 
 
Também comum nos diversos livros sobre Ciência Econômica, é sua definição. Mesmo de forma resumida, há clareza e entendimento suficientes: “A ciência econômica é uma ciência social que estuda a produção, a organização e a distribuição de bens econômicos e serviços”. Tenho utilizado esse conceito há tanto tempo que, me desculpem, não consigo mais identificar seu autor. Portanto, criada em face da inexorabilidade da “lei da escassez” (os desejos e as necessidades humanas por bens econômicos e serviços, em qualquer tempo, crescem em proporções muito maiores do que os recursos disponíveis para a produção deles), economizar é preciso!
 
Depreendem-se sobre a definição da ciência econômica aqui apresentada, alguns pontos importantes: 1º) por ser ciência social ela jamais poderá ser exata (2); 2º) ela tem como objetivo, estudar a melhor forma de economizar, isto é, produzir o máximo possível de bens econômicos e serviços que, de fato, atendam os desejos e as necessidades humanas, utilizando-se o mínimo de recursos; e 3º) ela estuda a melhor forma de distribuir os bens econômicos e serviços produzidos, da forma possível, ou seja, mantendo o conjunto da sociedade minimamente satisfeito em suas necessidades e disposta a continuar trabalhando na produção de períodos seguintes.    
 
A ciência econômica, diferentemente de outras ciências, além de estudar os fenômenos ela também intervêm no sistema econômico, não sendo por acaso a existência de dois campos muitíssimos claros e distintos: a Economia Positiva, composta pela Economia Descritiva e a Teoria Econômica (ou Economia Política) e a Economia Normativa, da qual fazem parte a Política Econômica, em seus diversos ramos: fiscal, monetária, cambial, industrial etc., e a Programação Econômica, responsável pela elaboração dos planos e projetos de ação pertinentes.
 
Resumidamente, enquanto a Economia Política estuda e estabelece conceitos teóricos sobre os fenômicos econômicos, a Política e a Programação Econômicas ditam as normas de comportamento de todo o sistema econômico e da sociedade. Instrumentos de intervenção de que dispõem o Estado, a Economia Política e a Política e Programação Econômicas vão se retroalimentando.
 
E se a ciência econômica é meio, o fim, e portanto o objetivo maior a ser alcançado por ela, é o bem estar da sociedade no que diz respeito ao atendimento de suas necessidades de bens econômicos e serviços. Criar condições para que todos os cidadãos de uma determinada sociedade, não só participe do processo de produção, mas também do seu  respectivo consumo, evidentemente, via justa distribuição.
 
No entanto, e aí volto aos diversos pronunciamentos que tenho visto ultimamente, e mais notadamente agora quando muitos acreditam que o mercado substituirá total e integralmente o Estado nas “tarefas econômicas”, preocupa-me, além do otimismo exagerado, uma inversão de valores assustador, posto que aquilo que era para ser meio, está se transformando em “um fim em si mesmo”.
 
De forma independente, isto é, como se eles não fizessem parte de um mesmo conjunto maior de índices de desempenho, indicadores de inflação e juros (em seus mais diversos tipos), de variáveis fiscais (dívida bruta ou dívida líquida do governo geral, ou do governo central, déficits primários etc), de conta corrente e economia internacional (câmbio, balanço de pagamentos, balança comercial etc.) e diversos outros, são avaliados e analisados das mais diversas formas e ‘jeitos’ (separada ou consolidada, setorial ou regional, em suas medias ou medianas, de períodos passados ou tendências futuras etc.), para explicar o desempenho econômico. E considerando que diversos desses indicadores estão melhorando razoavelmente, são fartos os elogios à política econômica atual.
 
Além disso, posto que algumas reformas importantes estão sendo aprovadas, ou pelo menos colocadas na ‘mesa’ para discussão, os cenários desenhados para o futuro são sempre de melhora. Mesmo que esses índices de melhorias ainda sejam modestos (3) se comparados com as necessidades de um país como o Brasil, cujas bases estatísticas anteriores são baixíssimas. Vale relembrar que o País viveu – e ainda vive – a maior crise de sua história, pois ela é econômica, social, política, moral e ética. Evidentemente, obter resultados positivos, sejam eles quais forem e dependendo das circunstâncias, devem ser comemorados, mas realisticamente. 
 
Entretanto, infeliz e estranhamente, nesse tipo de análise econômica, ninguém se atreve a comentar a respeito de alguns dos principais indicadores sociais, que também são econômicos e que afetam a (má) qualidade de vida da grande maioria do povo brasileiro. Indicadores de desemprego, sub-emprego, concentração de renda, aumento de desigualdade, falta de saneamento básico e de segurança, precariedade da saúde e da educação e aumento progressivo da violência, embora “ligeiramente” citados, não fazem parte das análises desses especialistas. Muito pelo contrário, pois o que fica implícito na maioria desses pronunciamentos, seja de executivos do governo ou do setor privado, de especialistas, nacionais ou estrangeiros (curiosamente, a maioria é da área financeira ou do mercado de capitais), é o pressuposto de que a população brasileira, mesmo vivendo um verdadeiro caos, continuará ordeira, pacífica, realizando as “compras” para alimentar demandas específicas (o Natal é o maior exemplo delas) e aguardando a realização de todas as “reformas” que, acredita-se, irá melhorar as condições futuras de todos. Apenas como lembrete, estima-se que taxas de desemprego mais aceitáveis somente serão alcançadas pelo Brasil próximo a 2.030. Caso tudo ocorra segundo o “figurino” desenhado pelo “novo liberalismo”. Por meio do Twitter, o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Jorge de Oliveira Francisco, comentou que o Brasil deve comemorar a “redução de risco”, pois “chegamos a 100 pontos, o menor desde 2012”. Além disso, continuou ele, “na última semana também tivemos a máxima histórica da Bolsa, que fechou cima de 112 mil pontos. Esses números demonstram que o Brasil tem se tornado um país cada vez mais propício para a geração de empregos e o investimento”. Então tá!
 
Nem governo, nem tampouco grande parte da imprensa, de analistas, empresários e executivos, parecem querer ver a realidade como ela é. Muito menos tomar medidas diretas e imediatas para solução desses problemas. É a crença, notadamente dos “defensores do liberalismo econômico moderno” (???), que somente depois de solucionados os problemas ‘econômicos’ é que uma sociedade voltará à normalidade. Ou seja, não tendo a compreensão de que a economia é uma ciência social, cortam-se os gastos com saúde, educação e segurança pública, diminuem-se os programas sociais e de geração de empregos, num “trade-off” burro, para se alcançar o equilíbrio das contas públicas, sem terem a menor noção de que é ao Estado a quem cabe a responsabilidade pelo bem comum (4) e geração de empregos (5).
 
Ora, uma empresa demite seus funcionários em caso de necessidade, um País não tem como demitir seus cidadãos! Por mais que haja um determinado problema a ser resolvido, o Estado precisa optar pelo E, e não pelo OU. Não há “trade-off” neste caso, principalmente em se tratando de seres humanos. Será que é possível aguardar, por mais cinco ou dez anos, a volta dos empregos? É cabível deixar hospitais e escolas públicas sem recursos, sabendo-se que a elas é que se dirige a quase totalidade da população brasileira, desempregada ou vivendo com baixíssimos salários e sem condições de poder utilizar serviços privados? É justo (ou humano) ‘endeusar’ a meritocracia, quando se sabe que a maioria da população brasileira não foi preparada e não tem a menor condição de competir? Desculpem-me os “pseudo-economistas”, mas isto não se trata de economia, apenas de uma de suas disciplinas, “administração das finanças públicas”. Cuidar do caixa do governo, de sua tesouraria, embora necessário, não pode ter um fim em si mesmo.
 
Perdoem-me os financiastas, executores de uma tarefa imprescindível para o desempenho empresarial e também de um País, mas embora tenha algumas semelhanças, notadamente nessas atividades e na busca da racionalidade operacional, administrar um Estado, em qualquer regime, é muito diferente e muitíssimo mais complexo do que administrar uma empresa. É papel para Estadistas! A “ditadura financeira” que se institucionalizou no País, com a concordância de grande parte da classe política, da imprensa especializada, do empresariado brasileiro, de economistas, executivos, empresários e empreendedores, apenas tem servido para privilegiar o controle do caixa – e aqueles diretamente beneficiados por isso - em detrimento da vida do brasileiro. É lamentável! 
 
(1) ”Não concebo outro lugar para a economia que não o de subdisciplina das ciências sociais, ao lado de história, sociologia, antropologia, ciências políticas e tantas outras”. “Ciência econômica parece-me um pouco arrogante. Prefiro a expressão ‘economia política’, que busca estudar cientificamente qual deve ser o papel ideal de um Estado na organização econômica e social de um país, bem como quais são as instituições e as políticas públicas que mais nos aproximariam de uma sociedade ideal” (Thomas Piketty, em “O Capital no século XXI” – Ed. Intrínseca Ltda., 2014);
 
(2) “A ciência econômica, por ser uma ciência social, jamais poderá ser exata”, foi o nome do artigo, de autoria de Paulo Roberto Guedes, publicado aqui mesmo no Guia do TRC em 05 de julho de 2016;
 
(3) Dados da Sondagem Industrial, produzidos pela Confederação Nacional da Indústria no mês de outubro, tendem a indicar que há melhora na atividade industrial. Um deles, citado na Sondagem, é o aumento da utilização da capacidade instalada, que chegou ao maior nível nos últimos cinco anos, aumentando de 69% para 70%. Além disso o indicador de intenção de investimentos melhorou, subindo de 54,1 para 56,2 pontos.
 
(4) Artigo de Paulo Roberto Guedes publicado no Guia do TRC de 25.10.19: “Quem é o responsável pela realização do bem-estar comum?”.
 
(5) “Há que se trabalhar mais celeremente para se combater o desemprego e a desigualdade”, foi o artigo de Paulo Roberto Guedes publicado no site do Guia do TRC dia 26.07.2019; “Estado moderno é aquele que, no momento adequado e preciso, consegue criar oportunidade para todos (sair dos ‘extremos’ é essencial)”. Texto de Paulo Roberto Guedes publicado no Guia do TRC do dia 21.11.2019;
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