’Venda de bandeira’, a pirataria que aflige o setor de cabotagem

Publicado em
29 de Setembro de 2014
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Apesar de alguns episódios isolados, ataques de piratas são algo estranho às águas brasileiras. Isso não quer dizer, entretanto, que as embarcações nacionais estejam livres de outros tipos de pirataria. Está crescendo no país a incidência de práticas conhecidas como "venda de bandeira" e "empresas de papel", pelas quais brechas na legislação são usadas para baratear em até 75% o custo do frete marítimo por meio de contratação de embarcações estrangeiras. Preocupada com o impacto dessas ações sobre a competitividade e os investimentos das empresas de navegação, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) colocou em audiência pública uma resolução para disciplinar o afretamento de navios estrangeiros.

A precariedade das rodovias e ferrovias brasileiras vem ocasionando uma expansão importante do transporte de cabotagem. De acordo com a Associação Nacional dos Armadores de Cabotagem (Abac), o setor cresceu perto de 10% apenas no primeiro semestre de 2014. Porém, ao invés de comemorarem a expansão dos negócios - uma vitória quando considerados os gargalos portuários do país -, as principais companhias nacionais de navegação estão preocupadas com o avanço das "vendas de bandeira" e das "empresas de papel". Além de abocanharem uma fatia importante do mercado, essas práticas criam um ambiente de insegurança para os novos investimentos no setor.

A legislação restringe às empresas constituídas no Brasil, mesmo que de capital estrangeiro, a atividade de cabotagem. Para receber a outorga e operar as cargas, as companhias também devem ser detentoras de ao menos uma embarcação registrada no país, ou seja, de bandeira brasileira. Muitas empresas, contudo, não usam a outorga para movimentar cargas com seus próprios navios. Funcionam como intermediários para o afretamento de embarcações estrangeiras, em operação conhecida como "venda de bandeira".

Mesmo com as limitações legais, o afretamento de barcos estrangeiros é permitido para algumas situações. Um delas ocorre quando a demanda por transporte de carga não encontra embarcação nacional disponível na rota, horário ou porte pretendidos. Outra exceção coberta pela legislação ocorre durante o período de construção do navio próprio do armador brasileiro. "Acontece que muitas empresas dizem que estão construindo a embarcação, mas não constroem nunca e ficam afretando estrangeiros", relata Cléber Lucas, diretor de Planejamento da Log-In, uma das principais companhias de navegação do país.

Em outra prática cada vez mais frequente, empresas monitoram as rotas e horários dos navios para demandar o serviço de transporte justamente nos momentos em que não há embarcação nacional disponível. São as "empresas de papel". Elas obtém autorização da Antaq para afretar um barco estrangeiro e depois negociam o documento. Há também casos de empresas que possuem embarcação própria, mas não as operam e aproveitam os custos menores das estrangeiras. "É o mesmo que um produto pirata", define Mark Juzwiak, responsável pelas relações institucionais da Aliança, outra importante companhia nacional de navegação. Segundo ele, a prática cria uma situação de instabilidade para que os navegadores invistam em novas embarcações.

Na indústria da navegação, é comum ver tremular em navios portentosos bandeiras de países de economia pouco relevante, como Libéria e Panamá. São as chamadas "bandeiras de conveniência". Essa estratégia é muito utilizada por grandes armadores, especialmente europeus, por conta dos baixos custos trabalhistas e tributários. "Nos navios de bandeira brasileira, tem de haver um número maior de tripulantes e arcar com todos os direitos trabalhistas, por isso a operação é bem mais cara", explica Juzwiak. De acordo com ele, o frete em um navio com bandeira de conveniência pode custar até quatro vezes menos que um similar nacional. "Os estrangeiros também não pagam imposto sobre o combustível que compram aqui", lembra o executivo.

Na resolução 3.638/14, a Antaq fala em "disciplinar" o afretamento de embarcação estrangeira por empresas nacionais. De acordo com a autarquia, a medida visa coibir o crescimento de práticas que "distorcem" o mercado nacional de navegação. Entre as medidas propostas está a exigência de que, no período de construção das embarcações, as empresas só possam afretar equipamentos estrangeiros do mesmo porte dos que estejam construindo. A fase de audiências públicas da resolução prevê uma reunião presencial no dia 9 de outubro, em Brasília.

O diretor da Log-In se diz favorável à iniciativa da Antaq, mas alerta para o risco de que regras rígidas demais não engessem as empresas "sérias". "A resolução vem preencher uma lacuna que estava realmente aberta, em que um monte de empresas de papel estavam operando como legítimas empresas brasileiras de navegação", diz Lucas. "Nosso programa de investimento é de mais de R$ 1 bilhão em estaleiros brasileiros. Muitas vezes, sou comparado com empresa que tem um escritório e uma telefonista. São empresas de corretagem de frete, não empresas de navegação", completa o executivo.

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