Agenda de estadista desafiará o próximo governo*

Publicado em
22 de Dezembro de 2021
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Artigo escrito por Paulo Roberto Guedes* (15.12.2021)
 
Seja ele quem for, os desafios do Presidente da República que assumirá o governo em 2023 serão enormes, pois além da gravíssima crise (institucional, econômica, política, social, moral e ética) instalada há mais de oito anos, e uma pandemia que “ainda não terminou”, o Brasil encontra-se politicamente dividido. Até porque, durante os últimos três anos de desorganização governamental, o presidente Bolsonaro, entre diversas outras “mazelas” (1) primou pela manutenção e a alimentação do conflito “nós X eles”.
 
Felizmente, apesar das claras tendências ditatoriais do Bolsonaro e de várias tentativas para colocar os demais poderes constituídos “sob sua direta subordinação”, as instituições de defesa da Democracia e da República reagiram à tempo e conseguiram manter o regime e o Estado Democrático de Direito “razoavelmente” intactos. Espero que continue assim.
 
Outro ponto importante, e a pandemia contribuiu muito para isso, é que durante o (des) governo Bolsonaro também se desmanchou a incorreta e retrógrada visão no qual existem, de um lado, o Estado corrupto, ineficiente, cheio de vícios, burocrático, que tira recursos dos setores produtivos e dos consumidores apenas para ‘sustentar’ a máquina pública e prestar serviços de péssima qualidade, e de outro, um mercado só de qualidades, totalmente capacitado, que trabalha com altíssima produtividade e total eficiência e sempre comprometido com o progresso da nação e da sociedade. 
 
Entretanto, e lamentavelmente, o (des) governo atual, além de não conseguir realizar dez por cento de suas promessas (programa econômico, privatizações, reformas e combate à corrupção, só para citar as maiores), ainda conseguiu desestruturar e destruir, entre outras, as políticas educacional (2), de saúde pública, social, de proteção do meio-ambiente, de relações exteriores e de segurança pública. Constata-se, inevitavelmente, que as conquistas sociais dos últimos anos, por exemplo, foram quase todas deixadas ‘de lado’.
 
Adicione-se a tudo isso, a transferência quase que total do poder – inclusive orçamentário (3) – para a parte mais corrupta do Congresso Nacional, numa clara demonstração de ignorância, pouca vontade de trabalhar e com interesses claramente eleitorais. Talvez, como comentou o Estadão (4), é o aparelhamento das forças de segurança a única tarefa à qual Bolsonaro “se dedica com afinco, seja porque formam suas bases eleitorais, seja pelos seus apetites autoritários, seja para apaziguar ressentimentos recalcados: o capitão enxotado do Exército por insubordinação e sedição, agora se quer generalíssimo”. Pois é!
 
De qualquer forma, parece não haver qualquer dúvida quanto ao fato de que para se construir um Brasil melhor, além da manutenção de sério programa de combate à pandemia, é essencial que se estabeleçam políticas reais de combate à desigualdade e à concentração da renda” (5), motivo pelo qual, especificamente na área econômica, quatro problemas precisam ser, se não totalmente resolvidos, pelo menos equacionados: (a) crescimento econômico baixo (6); (b) alta taxa de desemprego e de empregos informais; (c) aumento da inflação; e (d) desequilíbrio das contas públicas. Embora relacionados e interdependentes, medidas para cada um deles precisam ser elaboradas e implementadas. E quanto antes melhor, pois é fundamental que se busque uma “certa” paz social, sem o que tudo fica mais difícil e complicado. Não é possível, principalmente em função dos problemas aqui citados e apenas como mais um exemplo, que se mantenha no Brasil, em pleno século XXI, quase 25% da população brasileira vivendo na linha de pobreza (7).  
Considere-se, por outro lado, e como pontos positivos, que o Brasil conta com fortes setores exportadores, principalmente no agronegócios, satisfatório nível de reservas, setor financeiro saudável e até um Banco Central independente. 

Mas é impossível ignorar que o novo governo terá uma agenda que exigirá esforços, trabalho e muita criatividade, além, é claro, de muita capacidade de negociação. Para tanto, e antes de mais nada, o novo governo precisará “pacificar” o País e ser capaz de trazer, para seu lado, as partes do Congresso Nacional e da sociedade brasileira que acreditam ser impossível qualquer outra realização sem que antes sejam criadas, de fato e concretamente, melhores condições de vida para a grande maioria da população brasileira, atualmente sobrevivendo à margem do progresso nacional que, por sua vez, também vem diminuindo.
 
Fortalecer as instituições e fazer com que elas funcionem em sua plenitude é essencial. Desencorajar os mais resistentes e obrigar a todos – civis e militares, públicos e privados – para que respeitem o que estabelece a Constituição e o Estado Democrático de Direito, é imprescindível, pois é urgente que se prove que a democracia ainda funciona. Caso contrário o Brasil acumulará mais retrocessos e criará oportunidades para “gente autoritária”.
 
Parece claro que momentos de instabilidade política e econômica, como a atual, criem condições para que os governos – de esquerda ou de direita - obtenham mais poderes, pois a centralização das decisões (principalmente no que diz respeito à distribuição de recursos financeiros) parece ser solução inevitável e indiscutível. Não é à toa que discursos personalistas, demagógicos e populistas causem efeitos positivos em razoável parte da população que não quer se preocupar em ‘pensar’, mas sim, transferir seus problemas para alguém.
 
Como escreveram os professores de Harvard, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt em seu livro “Como as democracias morrem” (Editora Zahar, 2018): “desde o final da Guerra Fria, a maior parte dos colapsos democráticos não foi causada por generais e soldados, mas pelos próprios governos eleitos”. Sem golpe e através do voto, “o retrocesso democrático hoje começa nas urnas”. “A via eleitoral para o colapso é perigosamente enganosa”. Mais à frente dizem eles: “as instituições isoladamente não são o bastante para conter autocratas eleitos. Constituições têm que ser defendidas – por partidos políticos e cidadãos organizados, mas também por normas democráticas”. 
 
Em publicação anterior eu já havia feito comentários a respeito da Sra. Samantha Power, ex-embaixadora dos Estados Unidos na ONU, mas acredito que vale à pena repetir uma frase dita por ela no programa Roda Viva da TV Cultura de 26/04/21: “se acharmos que essas tendências (desigualdade, violência, atentado à Democracia etc.) são inevitáveis e nos tornarmos fatalistas, todos ficaremos em casa”, sem qualquer envolvimento no sentido de se pressionar para que sejam feitas as reformas necessárias, seja com relação às mudanças climáticas, ao combate à violência ou de diminuição da pobreza. “Elas se tornarão inevitáveis. É preciso estar alerta e reagir, pois a grande maioria de políticos fica mais complacente, relapso e muito menos eficaz quando sabe que não estão sendo vigiados e cobrados por suas atitudes”. E conclui: “Quando você vê a política funcionando, cria-se um círculo vicioso com mais gente querendo se envolver” (grifos meus).
 
Se votar é preciso, votar bem é imprescindível (8), pois a Democracia tem dificuldades para sobreviver em sociedades nas quais impera profunda e irracional polarização da política, levando extremistas a estimularem as discussões sob a ótica das diferenças raciais, sociais, regionais ou religiosas (ou de “nós e eles”, maléfica simplificação brasileira). Isso somente aprofunda a intolerância e o ressentimento e não serve à reconstrução do Brasil. Como dito em meu último artigo publicado, quaisquer perspectivas de melhora, no caso brasileiro, somente quando tivermos um novo governo. Nesse caso, “a responsabilidade também é nossa” (9) (Grifos meus).
 
Diante dos problemas do mundo atual, agora diante da crise pandêmica muito mais ‘escancarados’ e conhecidos, há uma tendência quase natural para que a maioria das pessoas, não só no Brasil mas em todo o mundo, queira obter maior equilíbrio entre sua vida e seu trabalho, motivo pelo qual se exige, também muito mais do que em épocas passadas, além das imprescindíveis políticas geradoras de emprego e de melhoria do processo de distribuição de renda, maiores cuidados com o meio-ambiente, com a sociedade (inclusão social e respeito às diversidades), com a saúde, e com os ambientes que se frequentam, sejam eles residencial, de laser ou profissional. Incluem-se, sem quaisquer dúvidas, toda a infraestrutura mínima necessária, tais como transporte, saneamento básico, energia e telecomunicação, na qual a internet é fundamental.
 
Sem radicalismos e discussões polarizadas, é fundamental manter a política ‘em funcionamento’, pois ao se compreender que a responsabilidade de qualquer cidadão em um regime democrático vai muito além do exercício do voto, é que se percebe a necessidade da movimentação das forças democrátias no sentido de combater a ‘inevitabilidade’ de tendências e das imposições indesejáveis, e buscar os objetivos que se colocam à frente. 
 
Respeitados democraticamente os resultados das urnas, o Presidente da República e o Congresso Nacional eleitos, juntamente com toda a sociedade, precisam juntar forças para que se construa um programa convergente e de total respeito à Constituição, no qual os objetivos aqui citados sejam efetivamente buscados. 
 
(1) “As aparências, às vezes, não enganam”, foi o título do artigo que publiquei no Portal do Guia do TRC dia 04.06.2021.
 
(2) Muito parecido com o que aconteceu no INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), “a demissão de mais de 50 técnicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes), entre coordenadores, assessores e pesquisadores, evidencia que há um método no desmanche da educação pública no País”.
 
(3) O artigo “Os caciques mandam no Orçamento”, publicado pelo Estadão deste último dia 15, deixa bastante claro: “sem nenhum critério técnico, cúpula do Congresso privilegia familiares e aliados políticos na distribuição de verbas das emendas de relator”.
 
(4) “Um Estado para chamar de seu” é o título do artigo publicado pelo Estadão dia 5 pp. “Eleito por suas críticas ao aparelhamento do Estado pelo PT, Bolsonaro quer subvertê-lo em instrumento de seus interesses particulares”. “Como mostrou recente reportagem do Estadão, Bolsonaro acumula ao menos duas dezenas de mudanças na PF, um volume sem precedentes na história da República. Os delegados afastados têm em comum o fato de terem contrariado o presidente de alguma forma, em geral investigando zelotes bolsonaristas. Seria tentador dizer que Bolsonaro confunde interesses pessoais com interesses de governo e de Estado. Mas o fato de que os primeiros sempre prevalecem revela que ele distingue bem as três dimensões e quer subvertê-las por completo: o Estado a serviço do governo; o governo a seu serviço. O aparelhamento das forças de segurança é talvez a única tarefa à qual o ergofóbico presidente se dedica com afinco, seja porque formam suas bases eleitorais, seja pelos seus apetites autoritários, seja para apaziguar ressentimentos recalcados: o capitão enxotado do Exército por insubordinação e sedição, agora se quer generalíssimo”.
 
(5) “Na construção das bases para um mundo melhor, é essencial que se estabeleçam políticas reais de combate à desigualdade e à concentração da renda”, foi o título de artigo publicado no Portal Guia do TRC dia 19.11.21.
 
(6) Para isso, investimentos, notadamente privados, são imprescindíveis. Infraestrutura e construção civil, são aqueles que mais rapidamente trazem resultados. Além de, também, resolverem problemas específicos, como por exemplo, a melhoria de vida das pessoas, via maior oferecimento de água potável, saneamento básico, eletricidade, comunicação e moradia. Assim como a diminuição de parte do ‘custo Brasil’ e aumento da produtividade do produto brasileiro, frutos da expansão e da melhoria da infraestrutura logística. Crescimento econômico e combate ao desemprego são, aqui, os principais objetivos. Para estimular os investimentos, o discurso pró-mercado, de diminuição do tamanho do Estado, diminuição da burocracia e racionalização das atividades públicas são bons inícios. Mas é necessário que se dê, aos empreendedores e empresários, segurança jurídica e expectativas de que as políticas voltadas ao crescimento econômico serão adotadas. Ao mesmo tempo, isso não poderá ser obtido via aumento do déficit público, isto é, diminuindo as receitas do Estado, seja por políticas de desonerações tributárias ou de diminuição ou eliminação de impostos. No curto prazo, aliás, o setor produtivo (que investe) e as famílias (que consomem) precisarão “aguentar” o peso da arrecadação atual. Se já se sabe que o País não consegue manter o tamanho do Estado brasileiro atual, sua diminuição, e consequente redução da carga tributária, exigirá medidas cujos resultados somente serão obtidos a partir do médio-prazo. Até porque, a elaboração dessas medidas também exigirá análise profunda e intensas negociações junto aos governadores e ao Congresso Nacional. 
 
(7) O IBGE já constatou que, apesar do Auxílio Emergencial, aproximadamente 51 milhões de brasileiros (25% da população total) viveram na linha da pobreza durante todo o ano de 2020, isto é, com menos de R$ 450,00 por mês. 
 
(8) “Votar é preciso. Votar bem é imprescindível” foi o título de artigo publicado no site do Guia do TRC dia 27.12.2017.
 
(9) “Perspectivas de melhoras para o Brasil somente com um novo governo. E aí a responsabilidade também é nossa”, título de artigo publicado nos Portais Guia do TRC e Logispesa, dia 07 pp.
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