O protagonismo da logística em épocas de crises, por Paulo Roberto Guedes*

Publicado em
05 de Julho de 2021
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Em pesquisa realizada por Sarah K. Williamson e Tim Koller, da McKinsey, em abril do ano passado, a respeito das principais preocupações dos dirigentes empresariais, diante do surgimento e da rápida disseminação da pandemia do coronavírus, o resultado final obtido pode ser resumido em três frases: a) “cuide primeiro dos funcionários, seguido por clientes, fornecedores e a comunidade”, b) “proteger a saúde dos funcionários não é apenas a coisa mais humana a se fazer, mas também ajudará a empresa a crescer mais rapidamente quando os riscos diminuírem”, e c) “valerá à pena, no médio e longo prazos, pois cada um deles, funcionários, fornecedores e clientes, se lembrará desta ajuda. Os lucros e dividendos virão mais tarde se você tomar as decisões certas e se mover agora” (1).

Embora muitas pessoas e governos, principalmente em seu início, não dessem à Covid-19 a sua real importância, não havia dúvida de que as principais providências deveriam estar direcionadas ao combate da pandemia e suas terríveis consequências, tais como a diminuição das atividades econômicas e o aumento do desemprego. Consequentemente, até que se tivesse uma vacina, medidas para impedir uma acelerada contaminação da doença, manutenção do emprego e da renda e proteção dos mais pobres e vulneráveis, foram algumas das principais preocupações daquele momento.

Foi inevitável, portanto, que mesmo com algumas opiniões contrárias, a maioria dos governantes, das classes dirigentes e dos executivos empresariais, em todo o mundo, compreendeu a necessidade de se dar a devida atenção às pessoas. A adoção de medidas para proteger a vida das pessoas, apoio financeiro às populações mais pobres e esforços para o desenvolvimento de uma vacina eficaz, foram - e ainda são - fundamentais.

Determinação, objetividade e rapidez passaram a ser palavras de ordem. A vacinação em massa, por exemplo, além de providência prioritária e de exigência máxima, posto que salva vidas humanas, sempre foi considerada essencial para que a sociedade, de todo o mundo, pudesse retomar seu ritmo de maior ‘normalidade’. De fato, na medida em que os cidadãos readquirissem confiança, o otimismo seria reconquistado e, mesmo que ainda timidamente, as atividades econômicas seriam retomadas, gerando empregos e renda. Com o decorrer do tempo, importante ressaltar, também com providências para que grande parte da mão-de-obra, em quaisquer níveis de qualificação, pudesse se readaptar, posto que as mudanças e as transformações decorrentes tem sido bastante significativas.

Mais de um ano e meio, desde que surgiu o primeiro caso de covid, já com melhor conhecimento a respeito da pandemia e com a vacinação em andamento, mesmo que em ritmo ainda inferior àquele desejado e exigido, o momento atual é de se preparar e planejar o futuro, repensando ‘quase’ tudo.

Para tanto, através de diagnósticos corretos, realistas e rápidos, identificar e desenhar cenários, são atitudes “prá lá” de necessárias. As empresas, por exemplo, à luz das circunstâncias atuais e das projeções desses cenários, deverão confirmar ou reelaborar seus planos de negócios e trabalhar fortemente com planejamento estratégico, posto que estabelecer uma direção, mesmo que com bastante flexibilidade, é essencial.

Nesse mister, e diante de tantas incertezas e o altíssimo grau de interdependência atualmente existente, seja entre empresas ou países, a maioria das empresas precisa voltar suas atenções à incorporação de mecanismos para melhor reconhecimento e dimensionamento dos riscos a que estão, todas elas, sujeitas no “dia-a-dia” empresarial. Rupturas que possam impactar as operações e até colocar em risco o próprio negócio, quando inevitáveis e conhecidos, precisam ter seus impactos negativos minimizados.

Como se sabe, e para complicar ainda mais, as origens das rupturas são as mais diversas possíveis, indo de alterações nos contextos políticos, nacionais ou mundiais, instabilidades econômicas e sociais, até o surgimento de eventos inesperados, como é o caso do coronavírus. Quantas ‘coisas’ podem parecer sem importância, ou mesmo improváveis de acontecerem mas que, ao se realizarem podem gerar consequências – para o bem ou para o mal - extremamente significativas?

Não há qualquer dúvida que em algum momento, queira-se ou não, a pandemia será controlada e as atividades econômicas voltarão – e até superarão – aos níveis anteriores, gerando possibilidades e oportunidades enormes para todos, bastando para isso estar preparado (2). A McKinsey & Company, por exemplo, desde o início da pandemia, vem produzindo trabalhos a respeito do que ‘poderá vir por aí’. E exatamente no último dia 18, publicou o que chamou de coleção especial, reunião de artigos, trabalhos e estudos, para comentar, de forma holística, os “cinco aspectos cruciais para criar uma diferença duradoura e sustentável” junto às empresas. São eles: elementos financeiros e operacionais, capacidades, saúde e força de trabalho, foco no cliente e impactos social e ambiental. Vale à pena ler.

É imperativo, portanto, que os profissionais, em qualquer área de atuação, encarem a realidade e os problemas como de fato eles são, não importando o quanto poderão estar ruins, pois não há nada que não possa piorar. Aliás, a simples negação da existência de crises e de problemas, apenas contribui para que eles sejam maiores no futuro. Se há crises, é preciso encará-las de forma vigorosa e completa. E aprender com cada uma delas, até o ponto, se o caso assim exigir, de se necessitar reprogramar tudo.

Isso nos leva à concluir que realizar observações, agora com maior frequência e profundidade, que permitam acompanhar a velocidade das mudanças, ter instrumentos de avaliação de desempenho que levem em conta cenários cada vez mais dinâmicos e movimentar-se com rapidez, para adotar medidas urgentes e que se adaptem aos novos cenários, transformaram-se em atividades profissionais imprescindíveis. Fica claro, também, que o maior ou menor grau de exposição a riscos dependerá, diretamente, da eficácia dos sistemas de monitoramento e de avaliação e dos planos de contingência existentes. E para se fazer isso com maior segurança e rapidez, digitalização, inovação e desenvolvimento da tecnologia de informação são instrumentos indispensáveis.

No campo logístico as prioridades são as mesmas. Ao se repensar e redesenhar novas cadeias de suprimentos, será preciso identificar e avaliar riscos e buscar soluções antecipadas, considerando-se que os momentos de ruptura deverão ocorrer com frequências maiores. Manter equipes especializadas para acompanhamento e controle, de forma tal em que se possa identificar, com rapidez, falhas possíveis e suas respectivas soluções, e elaborar programas de melhoria contínua consistentes e realistas, é desejável.

Considerando que as cadeias de produção e de abastecimento atuais são muito mais globais e complexas (3), exigindo um conjunto de ações integradas, coordenadas, com desenhos e soluções personalizadas e adaptadas às novas realidades que, teimosa e frequentemente, se apresentam, a exposição a riscos tem sido muito maior e com consequências mais abrangentes. Aliás, quanto a isso não há novidades, pois como já salientado pela McKinsey em seu relatório de 06/08/20, “cadeias de suprimentos interconectadas e fluxos globais de dados, finanças e pessoas oferecem mais “área de superfície” para o risco penetrar, e os efeitos em cascata podem viajar através dessas estruturas de rede rapidamente”.

Os fenômenos comportamentais, empresariais e comerciais dos últimos trinta anos, incluindo-se aí a evolução tecnológica (de processos, produção e comunicação), tiveram influência direta no cotidiano do profissional de logística, levando-o a assumir posição de relevância no mundo empresarial e dos negócios. Aliás como tenho defendido há algum tempo, posto que a logística deixou de ser uma atividade, embora importante, de características exclusivamente operacionais (melhor forma e menos custosa de receber, armazenar, expedir e transportar mercadorias), para ter importância estratégica e transformando-se em “parte integrante, e não acessória, do “business” empresarial” (4). E agora, com a pandemia, assumindo um protagonismo significativo: papel insubstituível na busca de soluções para momentos de crise.

Inevitável, diante disso, o entendimento de que a sobrevivência empresarial, bem como os índices de crescimento e de lucratividade, venham depender da eficácia e da qualidade dos serviços logísticos obtidos. Por consequência, o profissional de logística, ao elaborar seu plano de atuação, não poderá deixar de considerar a própria estratégia empresarial, na qual a logística está plena e totalmente integrada, bem como as circunstâncias do mundo atual. Daí, ser importante ter um correto entendimento dos níveis de vulnerabilidade e de riscos a que a empresa está exposta, de tal forma que seja facilitado a elaboração de estratégias de resiliência. Os objetivos e estratégias do setor logístico, necessariamente, precisam estar alinhados aos objetivos e estratégias da empresa, incluindo-se aí, os clientes, seus desejos e necessidades.

O mundo atual, a sociedade e as empresas, principalmente após o Covid, precisam de maior resiliência, notadamente em suas cadeias de suprimentos e abastecimento, não podendo, como escrito no trabalho da McKinsey aqui já citado, “se dar ao luxo de serem pegos de surpresa quando ocorre um desastre”. E mesmo que a análise e elaboração de cenários futuros tenham custos, “esses investimentos podem render com o tempo - não apenas minimizando perdas, mas também melhorando os recursos digitais, aumentando a produtividade e fortalecendo ecossistemas inteiros da indústria”.

Pois é, e sempre vale à pena repetir: uma logística é eficaz quando praticada com disciplina e organização e transformada em condição “sine qua non” do crescimento e o desenvolvimento empresariais. E assume protagonismo quando compreendida como capaz de proporcionar o caminho mais curto para o enfrentamento de crises.

1. “Qual o papel da logística neste mundo novo, incerto e ainda desconhecido?”, artigo publicado no site da Tecnologística em Maio de 2020;

2. Segundo a Nota Informativa nº 59, de 16/06/21 da McKinsey, “há muito o que esperarassim que a pandemia de COVID-19 finalmente entrar na história”. Diz a nota que “os sinais de mudança e crescimento indicam um futuro brilhante”, chegando a acreditar em “uma possível nova era de prosperidade global, com altas taxas de crescimento econômico e aumento da inovação em saúde”, na qual haverá oportunidades para todos se beneficiarem de um novo contexto e atitudes”. E conclui: “Apenas com a tecnologia que está disponível atualmente - não é necessária nenhuma inovação inédita - é possível atingir um crescimento econômico global de 3 a 4 por cento a cada ano durante uma década”. À conferir!

3. “Uma grande empresa multinacional pode ter centenas de fornecedores de primeiro nível, dos quais adquire componentes diretamente. Cada um desses fornecedores de nível um, por sua vez, pode contar com centenas de fornecedores de nível dois. Todo o ecossistema de fornecedores associado a uma grande empresa pode abranger dezenas de milhares de empresas em todo o mundo quando as camadas mais profundas são incluídas”, explicitou o relatório da McKinsey de 06/08/20. Conclusão: ”quando as empresas entendem a magnitude das perdas que podem enfrentar com interrupções na cadeia de suprimentos, elas podem pesar quanto investir na mitigação”.

4. “Diante de incertezas e de situação de ruptura, uma gestão de suprimentos eficaz se faz imprescindível” (Site da Tecnologística em setembro de 2019).


* Paulo Roberto Guedes - sócio-diretor da Ripran Consultoria, conselheiro da Associação Brasileira de Operadores Logísticos (Abol), instrutor do curso "Gestão de uma Empresa de Transportes", da Escola de Transportes e colunista do Site Guia do TRC (www.guiadotrc.com.br)

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