Para economistas, baixa demanda pesou mais para a greve

Publicado em
13 de Junho de 2018
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Três fatores têm sido apontados como vetores que teriam desencadeado a crise dos combustíveis e a greve dos caminhoneiros: a recessão intensa e prolongada; o repasse da alta do preço do petróleo no mercado internacional, combinada com a desvalorização do real; e as políticas de subsídio à compra de caminhões. Mas, para alguns economistas e pesquisadores associados do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), os dois primeiros fatores foram os que de fato pesaram mais na conta. 

"Essa crise parece ter sido muito mais falta de demanda do que excesso de oferta", diz Braulio Borges, economista-sênior da LCA Consultores e pesquisador do Ibre/FGV. "Com o agravante de que o transporte rodoviário tem um perfil de demanda que fez com que fosse muito mais afetado pela recessão do que a média da economia."

Em 2017, por exemplo, o PIB ficou 5,2% abaixo do registrado em 2014. Em cálculos feitos pelo economista, o PIB "mais relevante" para o transporte rodoviário ficou 11,2% abaixo do patamar em que estava em 2014. Esse PIB "mais relevante" inclui o desempenho de agropecuária, indústria de transformação, comércio e importação de bens.

"Ou seja: se o hiato do produto (medida do grau de ociosidade da economia) já está bem negativo na economia como um todo", ele é, segundo Borges, ainda maior no caso dos transportes. Quando tentou analisar a existência de excesso de oferta, Borges verificou que o preço médio dos fretes em termos reais se manteve entre 2014 e 2016 em nível semelhante ao de 2010 e 2011, "apesar da forte recessão". No biênio 2010-2011, o transporte por 1.000 quilômetros da tonelada de granéis agrícolas custava pouco menos do que R$ 145.

Entre 2014 e 2016, esse valor ficou, em média, pouco abaixo de R$ 150. Além disso, o frete médio cresceu em termos reais "quase que ininterruptamente entre 2005 e 2014", com um recuo "moderado" durante a recessão. Esses movimentos sugerem "que não parece existir um excesso significativo de oferta de caminhões na economia brasileira", segundo ele. "Se fosse assim, os preços reais dos fretes deveriam ter recuado expressivamente, sobretudo entre 2011 e 2014", quando houve crescimento mais expressivo da frota.

Há alguns dias, ao comentar o corte do preço do diesel nas refinarias estabelecido pelo governo, o coordenador de economia aplicada do Ibre-FGV, Armando Castelar Pinheiro, já havia chamado a atenção para o quanto a recessão explicava a crise dos combustíveis. "Tudo isso que foi feito [pelo governo] é um espantalho. O problema real é uma economia deprimida", afirmou. 

A recessão não afetou os caminhoneiros em apenas uma frente.

Em relatório, a equipe econômica da AC Pastore lembra que os preços mercado internacional subiram 20% em pouco mais de dois meses, atingindo US$ 80 por barril. O movimento, aliado à desvalorização do câmbio, levou o preço do petróleo no mercado interno "ao nível mais alto" desde que o real entrou em vigor. Castelar, do Ibre-FGV, lembra também que a última vez em que houve uma combinação dessa magnitude entre petróleo caro e câmbio desvalorizado foi há 15 anos.

A lenta recuperação econômica, por sua vez, limitou o repasse da alta para os contratantes dos fretes. Isso impediu que o encarecimento do combustível tivesse impactos inflacionários perceptíveis, mas reduziu a margem de lucro dos caminhoneiros, desorganizando o setor. A queda da demanda em 2014, segundo Maurício Lima, sócio-diretor do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos), foi acompanhada já no ano seguinte pelo recuo no licenciamento de caminhões, o que ajudou a controlar a oferta.

De 2013 até 2016, os emplacamentos passaram de 154,5 mil para 50,2 mil, recuo de 67,5%, segundo a Federação Nacional de Distribuição de Veículos (Fenabrave). De acordo com Lima, em 2015 e 2016 os emplacamentos foram insuficientes até para cobrir a taxa de depreciação do setor. Desde maio do ano passado, porém, Lima diz que a demanda pelo transporte rodoviário vem se recuperando mais rapidamente do que setores como a indústria. "Há uma restrição de outros modais", o que deixa os produtores reféns do transporte sobre rodas, de acordo com Lima. Borges, da LCA, acrescenta que, na comparação entre o acumulado de janeiro a maio deste ano com o mesmo período do ano passado, há uma alta de 54% dos licenciamentos de caminhões.

No dado dessazonalizado anualizado, o licenciamento em maio ficou na casa das 70 mil unidades, "claramente acima da depreciação do estoque", em torno de 50 mil unidades. Tudo isso, segundo ele, reforça a ideia de que não houve excesso de oferta. Para Nelson Barbosa, ex-ministro do Planejamento e da Fazenda durante o governo Dilma Rousseff e também pesquisador do Ibre-FGV, o Programa de Sustentação de Investimentos (PSI) pode ser criticado por seu custo fiscal, mas não faz sentido responsabilizar pelos problemas atuais um programa que teve o seu auge há cinco anos. "A crítica do custo fiscal é uma crítica válida. E é óbvio que, se houvesse menos caminhões, haveria menos oferta.

Mas não dá para ignorar o elefante no meio da sala. E o elefante no meio da sala é o aumento do imposto sobre combustíveis e da cotação internacional do petróleo, combinada com a desvalorização do câmbio", diz o economista. Barbosa lembra que, adicionalmente a uma alta de tributos feita na sua época de governo em fevereiro de 2015, o governo Temer, premido pela falta de recursos, elevou novamente o PIS/Cofins sobre os combustíveis em julho de 2017.

"Não houve greve na época porque o preço do petróleo estava algo estável", diz. Naquele momento, a Petrobras já tinha mudado a política de preços, primeiro repassando periodicamente as oscilações do mercado internacional, e depois diariamente.

Quando ocorre a disparada do petróleo em 2018, juntam-se as duas coisas: imposto e cotação internacional. Borges, da LCA, admite que há indícios de que pode ter havido "uma expansão excessiva da frota" de caminhões. Um deles é que a carga média por caminhão caiu 3,9% no biênio 2012- 2013 em relação ao período 2003- 2011. Ele diz, no entanto, que "a queda pode ter decorrido, ao menos parcialmente, de uma maior utilização de ferrovias e outros modais". Borges ressalta ainda que a situação dos caminhoneiros se agravou de vez com a alta dos preços do combustível.

Nos cálculos dele, os custos do setor de transporte de cargas rodoviárias subiram 4% acima do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) entre meados de 2016 e abril deste ano. 

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