Mesmo desacreditada, fortalecer a Política é essencial*

Publicado em
22 de Agosto de 2017
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Se verdades já são questionadas, pois dúvidas, discordâncias quanto ao significado ou interpretações e compreensões diferentes são sempre possíveis, imaginem o que pode acontecer com a cabeça do cidadão comum quando uma ‘avalanche’ de mentiras ou meias-verdades, são diariamente publicadas pelos mais diversos tipos de comunicação. E o que acontece, então, quando tudo isso é direcionado para uma população com cerca de 13 milhões de analfabetos e mais outros tantos que não conseguem ter um mínimo de compreensão sobre o que ouvem ou leem? Se adicionarmos o fanatismo, a conveniência e a má fé, tudo fica ainda mais difícil de entender.

Eu já comentei em texto escrito ainda no ano passado (“A recuperação do Brasil é difícil por si só, mas se depender de grande parte dos políticos brasileiros ela será impossível” – 23.11.16) que é comum, para a maioria de nossos políticos, mentir e tentar enganar seus eleitores, pois ao se ocuparem apenas com seus próprios problemas, e sem qualquer tipo de constrangimento, dirigem-se ao “distinto público” com “cara-de-pau” e desfaçatez só encontradas nos maiores hipócritas da história. 

Mas isso não é privilégio somente de políticos. Representantes empresariais ou sindicais, de intelectuais, de associações de classe, de grupos articulados ou não, de movimentos populares, da imprensa e até de ‘gente respeitada’, quando lhes interessam, também fazem o mesmo. Aproveitando-se da máxima de que “mentiras repetidas várias vezes – e de forma séria – viram verdades”, esses grupos também colocam suas ‘pós-verdades’ no ar, de forma exaustiva, insistente, às vezes sob o anonimato da internet ou através de blogs ‘prá lá’ de suspeitos ou da ‘imprensa marrom’. 

Vivemos uma crise sem precedentes que, infelizmente, é agravada por essa postura enganosa e pelo excesso de informações falsas e distorcidas que diariamente surgem de todos os lados.

Os últimos noticiários, principalmente vindos do Brasília, ilustram o que aqui se esta expondo. Nossos políticos e uma razoável parte da classe dirigente, como se estivessem em outro País, trabalham e se ocupam para resolver somente os seus próprios problemas ou das corporações que lhes dão votos ou sustentação política, mas para darem ‘ar de seriedade’ e respeitabilidade ao que fazem, dizem que estão trabalhando em nome do povo. Pura hipocrisia! Todos nós sabemos que não (‘só que não’). “Parlamentares prometem rejeitar as propostas sempre “em nome do povo”, quando na verdade estão a serviço de castas do funcionalismo e do sindicalismo que os ajudam a se eleger”, diz o texto de O Globo do último dia 19 (Opinião – “Bancadas defendem privilegiados no Congresso”).

Quem conhece e estuda profundamente esses assuntos, sabe que as reformas política, trabalhista, previdenciária e tributária, para dar apenas alguns exemplos, são mais do que necessárias. Infelizmente as discussões a respeito de cada uma delas, quando ocorrem, são superficiais, demagógicas e, pior, recheadas de mentiras ou meias-verdades. 

Ou alguém acredita que os sindicatos e seus representantes no Congresso estão trabalhando para derrubar a reforma trabalhista, já aprovada, por acreditarem que ela é incorreta e injusta com o trabalhador? Não seria porque acaba com a ‘mamata’ da contribuição sindical que alimenta dezenas de milhares de sindicatos que, sem quaisquer compromissos com seus representados, desejam continuar recebendo uma quantidade enorme de recursos financeiros ‘tirados’ dos trabalhadores, sem qualquer esforço e sem a necessidade de qualquer prestação de contas? Aliás, sindicatos, políticos e executivo já trabalham no sentido de se propor um projeto de lei só para resolver esse item, o da contribuição. Os demais temas da reforma? Ora, ora.

E o que falar da reforma política? Ninguém tem dúvidas de que ela é necessária, pois há uma clara ruptura entre a sociedade e o sistema político brasileiro como um todo. Há, como se sabe, total descrença da população com relação à política, dificultando ainda mais a legitimidade de qualquer decisão tomada pelo Congresso Nacional, na medida em que grande parte dos eleitores brasileiros não se sente devidamente representada pelos políticos atuais. Como dito pelo jornalista Cid Benjamin: “Não que a falta de legitimidade leve automaticamente a uma revolução que ponha abaixo as estruturas injustas. Se fosse assim, menos mal. Mas pode levar a explosões sociais descontroladas que radicalizem o clima de barbárie e que não interessam a ninguém. Nem mesmo aos de cima”. Correto!
Portanto, realizar uma reforma política, eleitoral e partidária é essencial para que se melhore a qualidade de nossos políticos, melhore o sistema de escolha, renove o parlamento e o aproxime da população. Mas o quê está sendo apresentado é quase uma afronta à inteligência de qualquer um, pois evidente está que os objetivos principais são o financiamento bilionário das campanhas, facilitação da reeleição e manutenção da imunidade parlamentar, notadamente para aqueles políticos envolvidos, denunciados ou a serem denunciados pelas operações de combate à corrupção. 

Pelo que se vê, há muito tempo foram deixadas de lado, na politica, a ética e a moral. Como dito pelo senador Cristovam Buarque – talvez um dos poucos políticos que se salvam no Brasil atual – “Pior que o déficit fiscal é o déficit moral. E esta reforma eleitoral está ampliando essa escassez e comprometendo nossa democracia no lugar de fortalecê-la”. O “enfraquecimento dos partidos não é uma profecia. É um diagnóstico”, comentou o ministro Luis Roberto Barros, do STF, em entrevista para o Estadão do último dia 20. Editorial do Estadão, também do mesmo dia: “faz falta é melhorar de fato a qualidade da democracia representativa”.

Não há dúvida que manter a Democracia e o Sistema Representativo têm custos e precisa ser ‘bancado’ por alguém. Mas esse discurso parece hipócrita, diante do valor bilionário apresentado, da situação das contas públicas e uma vez que já existe um fundo partidário (de mais ou menos R$ 900 milhões, no qual não se faz qualquer auditoria ou controle sérios) e mais os horários ‘gratuitos’ da televisão e do rádio (mais outros R$ 1.200,0 milhões). 

Com relação à reforma da Previdência, então, teríamos somente um problema de ignorância matemática se não fosse também de má fé. Está claro que aqueles contrários à reforma, são aqueles ligados ao corporativismo e às associações de empregados mais privilegiados, seja em termos de salários, de benefícios ou de aposentadoria. Ao contrário do que se poderia imaginar! Ou ligados ao sindicalismo pelego, tão comum no Brasil de hoje. O economista e jornalista Celso Ming, em seu artigo de 16/03/17 no Estadão (“Rombo e Falsidade”), além de esclarecer o assunto é bastante objetivo: “Os dirigentes sindicais e os movimentos corporativistas que tentam sabotar o projeto de reforma da Previdência negam a existência de rombo no sistema, que chegou a R$ 151,9 bilhões no ano passado e que deverá atingir R$ 181,2 bilhões neste ano”. “Centrar nesses pontos as críticas à reforma não passa de mistificação”. E prossegue: “Muita gente embarca nessa canoa em boa-fé, porque tem dificuldade de entender esses assuntos. Mas outros conhecem os problemas e distorcem tudo por pura demagogia (acrescento: também por interesse). Para não ir mais atrás, nos últimos três anos, quem primeiro pediu uma radical reforma da Previdência Social foi a presidente Dilma. E não foi por questões ideológicas”.

Alguém acredita no discurso de uma grande maioria de políticos, mas não de todos faço questão de ressaltar, a favor da continuidade da Operação Lava Jato? Principalmente agora que as notícias dão conta de que quase todos os partidos, direta ou indiretamente estão envolvidos em escândalos de corrupção? São visíveis os fatos, apesar dos discursos contrários, que comprovam que Executivo e parte do Congresso Nacional, incluindo os presidentes da Câmara e do Senado, trabalham para ‘desmobilizar’, se possível acabar, com a Operação e quaisquer outras medidas propostas para combater a corrupção.
A situação política é tão ruim que até o último programa do PSDB criou mais dúvidas do que certezas. Ao reconhecer seus erros – atitude até certo ponto digna por si só – deixou transparecer, pelo menos para a maioria, que a gravíssima crise brasileira atual nada tem a ver com o desastroso governo petista, coadjuvado pelo PMDB. Considerando que o PSDB cometeu erros – mesmo não sendo governo, exceto no último ano e meio, isto é, depois do impeachment da Dilma – o programa apresentado sugere que políticos e partidos políticos são todos iguais! Ora, se isto é verdade, porque escolher entre uns e outros? Então não há mais jeito mesmo?
E o que falar de grande parte do empresariado brasileiro que, criticando o governo e a administração pública, por serem estes, segundo eles, os maiores obstáculos ao crescimento e desenvolvimento econômico, corrompem funcionários públicos, executivos de estatais, políticos, e representantes do judiciário entre outros, para defenderem unicamente seus interesses, seja através de um financiamento com taxas de juros abaixo do mercado, de um incentivo fiscal sem que haja o devido retorno para a sociedade, de um perdão nas dívidas ou através de uma medida provisória pontual e que beneficie especifica e exclusivamente seu segmento econômico. É comum ouvir o discurso “se cumprirmos com todas as obrigações, burocráticas ou tributárias, impostos pelo Estado, nossa empresa não sobrevive”. Ora, então vamos ser pragmáticos, sonegar e esperar um novo Refis! Sobre o ‘tal’ pragmatismo empresarial brasileiro, escrevi textos específicos: “Pragmatismo e Eleições”, publicado no Jornal de Alphaville, em agosto de 2006 e, mais recentemente, “Pragmatismo Eleitoral e Marketing Político: Crimes contra o País?”, publicado também aqui no Portal do TRC dia 17/08/16.
Não há dúvidas, ainda impera no Brasil, a arcaica visão patrimonialista pela qual, dirigentes de altas patentes (políticos, executivos públicos e também privados), administram o patrimônio público como se fosse privado e, acima dos direitos da sociedade como um todo. Utilizando-se, inclusive como fachada, os próprios partidos políticos, protegem e defendem, sem maiores compromissos com a população que os elegeram, seus interesses particulares, assim como daqueles que os mantêm no poder. O poder econômico corrompe o poder político (e vice-versa) e os dois juntos, através de caro e eficiente marketing político, continuam iludindo e enganando a maioria da população brasileira, com os objetivos únicos de se perpetuarem no poder e manter privilégios. E fazem isso com dinheiro do próprio Estado – portanto da população. O desvio de dinheiro, o roubo, a ilegalidade, a indecência e a desonestidade viraram práticas comuns. O acordo prévio entre empreiteiras para ‘dividir as concorrências públicas’, o superfaturamento e o pagamento de propinas em quase todas as obras de governo, por exemplo, passaram a ser a regra e não mais a exceção” (“Reforma da política e dos políticos já!”, texto publicado dia 25 de março de 2017, aqui mesmo no Guia do TRC).
É fato que parte de nossa classe dirigente e de nossos políticos – do legislativo e executivo, principalmente – continua mentindo e enganando o povo, demonstrando, infelizmente, que a era da mentira e da hipocrisia (e da “pós-verdade”) veio para ficar. Pouco importa a verdade. A versão do mentiroso, e não a verdade dos fatos é o que vale! Não é a toa, consequentemente, que nossa desconfiança e descrédito na política, na maioria dos políticos e das classes que dirigem o Brasil, também aumentem.

Tenho comentado sempre que economia e a política andam sempre de mãos-dadas. Elas não estarão resolvidas em tempos diferentes, pois uma tem implicações profundas na outra. Embora existam ‘remédios’ diferentes para uma e para outra, as duas precisam estar bem para se suportarem. Como esperar que a sociedade civil, como um todo, esteja disposta a assumir riscos num ambiente político difícil? Algum consumidor ou empresário se predispõe a buscar crédito? Seja ele para o consumo ou para o investimento?
Matéria do “The Economist”, publicada no Estadão é clara a respeito: “Enquanto permanecerem inseguras quanto ao futuro, os empresários evitarão realizar investimentos que não possam ser facilmente revertidos”. “Em 2015, três economistas – Scott Baker, da Kellogg School of Management da Universidade de Northwestern, Nick Bloom, da Universidade Stanford e Steven Davis, da Booth School of Business da Universidade de Chicago – elaboraram um índice de incerteza em relação a políticas econômicas, por meio do qual é possível monitorar essas duas variáveis. O indicador cujos dados remontam aos anos 80, mostra que altos níveis de imprevisibilidade governamental caminham de mãos dadas com baixos níveis de investimento no setor privado e taxas menores de crescimento econômico”.
Portanto, se a política brasileira está ultrapassada, os partidos políticos não representam mais ninguém e a política praticada hoje despreza valores fundamentais como a moral e a ética, como esperar, então, melhoras no campo econômico? 

Ainda no último dia 19, n’O Globo, o jornalista Luiz Claudio Latgé, ao tratar da economia americana, comenta em seu texto (“Uma questão de confiança”) que “a falta de confiança trava tudo. Sem confiança os mecanismos de ajuste da economia parecem não funcionar”. E segue: “Pesquisas mostram que, apesar dos sinais de recuperação da economia, mais da metade dos americanos ainda desconfia que o futuro será pior”. Lá nos Estados Unidos também, segundo o artigo de Latgé, “nunca a corrupção dos agentes públicos e a desconfiança em relação à ética das empresas foram tão mal avaliadas”. 

De qualquer forma, no momento atual, é necessário e fundamental que a Política (com P maiúsculo) seja praticada, em seu sentido mais amplo possível, pois não há saída fora dela. De forma insistente e até intransigente, tenho repetido que a defesa do Estado Democrático de Direito, da Constituição e das Leis deve estar na agenda de todos. Como disse o jornalista Reinaldo Azevedo: “marchar contra a política, contra os políticos, contra as ditas forças tradicionais (e seus sinônimos) corresponde a entregar o ouro para o bandido”.

O radicalismo, a intolerância ou a crença de que a solução estará na eleição de um demagogo populista, não são caminhos. Pelo contrário, são trilhas para o precipício, como demonstram as notícias vindas da Venezuela ou dos Estados Unidos, países nos quais o extremismo e a xenofobia têm viabilizado a ascensão de ditadores, governos autoritários e movimentos que enaltecem algum tipo inexistente de supremacia humana.

As soluções para os problemas brasileiros são complexas, difíceis, demandarão tempo para aparecerem e, sem dúvida, dolorosas, notadamente para as camadas mais pobres da população. Mas é fundamental que na busca da reforma do Estado brasileiro, injusto, ineficiente e que foi apropriado por alguns poucos, fortaleça-se a política e seja dado apoio explícito aos políticos, executivos e dirigentes empresariais, sindicais e representantes da sociedade civil que, de fato e concretamente, estejam trabalhando pelo País e a preservação e o aprimoramento da Democracia

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