Difícil, no atual momento, saber em que e em quem confiar.*

Publicado em
30 de Junho de 2017
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A maioria de nossa classe dirigente – políticos, empresários, executivos, sindicalistas etc. - tem uma facilidade incrível para ignorar (embora muitos não desconheçam) o quê, de fato, ocorre em nosso País. Por ignorância, conveniência ou fanatismo, são pessoas que ainda não entenderam que para a esmagadora maioria da população brasileira não interessa substituir um governo de malfeitores por outro, por mais competente que ele venha ser. Comentário a esse respeito eu já fiz ao escrever, no dia 19 de maio passado, texto com o título “O momento é difícil e exige grandeza de nossas classes dirigentes”.

Embora muitos, incluindo as chamadas “organizações criminosas” (pelo que foi apresentado até agora, há pelo menos uma ligada ao PT e outra ao PMDB) estejam trabalhando forte, consistente e permanentemente para desacreditar a “Operação Lava Jato”, as investigações realizadas até agora, no combate à corrupção, às fraudes e à malversação do dinheiro público, são mais do que necessárias e devem fazer parte da agenda de qualquer governo que esteja compromissado com a democracia, a justiça e o Estado de Direito. 

A mobilização para acabar com a Operação Lava Jato é um fato indiscutível. Ressalte-se que a explícita movimentação desse pessoal, contra a Lava Jato, não é algo novo. Eu mesmo, em artigo postado no “Linkedin” há quase quinze meses atrás, mais precisamente no dia 21/03/2016, escrevi que seria necessária intensa mobilização da nação para proteger e dar continuidade às investigações em andamento (“Proteção e Continuidade da Operação Lava Jato”).

Em outro artigo, este do dia 13/09/2016 e publicado no Portal Guia do TRC, escrevi que “A Democracia pressupõe atitude incansável, intransigente e inegociável no combate à corrupção”. O próprio procurador da República, Sr. Rodrigo Janot, no dia da posse de Ministra Carmem Lúcia (12/09/16) como Presidente do STF, afirmou em ‘letras maiúsculas’: "Tem-se observado diuturnamente um trabalho desonesto de desconstrução da imagem de investigadores e de juízes. Atos midiáticos buscam ainda conspurcar o trabalho sério e isento desenvolvido nas investigações da Lava Jato".

Ou, como escreveu o jornalista José Marcio Mendonça (Infomoney de 07/12/2016), “a maioria dos parlamentares, esta é a verdade, está vestida para a guerra contra o Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal e não vai se acalmar enquanto não conseguir algum tipo de ‘habeas corpus’ político para protegê-la de condenações por corrupção e/ou caixa dois ou coisas parecidas”. O ministro do STF, Luís Roberto Barroso, já comentou mais recentemente, que “é preciso estar atento contra a operação abafa”, pois “interesses revolvidos pela Operação Lava Jato faz com que tentativas de eliminá-la seja uma possibilidade”.

Há, inclusive, a utilização do jornalismo como forma de fortalecimento da campanha de esvaziamento e até mesmo de encerramento das investigações que, bem ou mal, tem colocado corruptos de ‘colarinho branco’ atrás das grades. Através de ‘meias ou pós-verdades’, de informações dúbias, afirmações tendenciosas e muita generalização, busca-se induzir toda população na crença de que o Brasil é assim mesmo, todos são iguais e não há mais jeito.

O editorial do Estadão do dia 28.06.17, ao comentar a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4, de Porto Alegre) que absolveu o ex-tesoureiro do PT, Sr. João Vaccari Neto, anteriormente condenado pelo juiz Sergio Moro a mais de 15 anos de prisão, observou ser oportuna essa decisão, posto ser necessário que se entenda que a “colaboração premiada, sem outras provas, não basta para condenar um réu”. Mais adiante afirma que a absolvição, por maioria de votos (grifos meus), deu-se porque aquela corte entendeu não haver provas suficientes, mas apenas delações premiadas.

Uma pequena observação: o placar, que caracterizou a ‘tal’ maioria de votos, foi de 2 a 1, sendo que o relator votou não só para a manutenção da condenação, mas, também, para o aumento da pena. Em resumo: dois juízes a favor da absolvição e se considerarmos também o julgamento de primeira instância, onde está o juiz Sergio Moro, são dois juízes a favor da condenação. Reitero que este entendimento não é para questionar as regras, os procedimentos ou a decisão da justiça, mas apenas para colocar uma informação que, embora verdadeira e correta, não teve muito destaque. Outras instâncias estão à disposição para quem não concordar com essa decisão da justiça.

Mais adiante o mesmo Editorial diz que essa decisão, a do TRF-4, “talvez possa ajudar alguns a perceber que o passo seguinte à obtenção da delação deve ser a investigação, e não o vazamento. E que nenhuma campanha de convencimento da opinião pública substitui provas, num tribunal honesto” (grifos meus). 
Por outro lado os jornais do último dia 28 noticiaram, também, que até dezembro de 2016, o TRF-4 havia absolvido menos de 15% dos réus condenados por Sergio Moro e que agora essa taxa pulou para 30%. O jornal O Estado de São Paulo publicou, inclusive, a opinião do advogado Sérgio Salomão Shecaira (um dos advogados de Lula e que pediu a prisão de Sergio Moro) a respeito disso: “até o ano passado o TRF-4 ficou engessado com a pressão da opinião pública e com tudo aquilo que envolvia a Lava Jato (grifos meus). Agora, passado esse primeiro momento, é natural que existam revisões, aumentos, reduções e até absolvições”.

Estou sendo levado a concluir que o TRF-4, até esse primeiro momento citado pelo advogado Shecaira não era um tribunal honesto e julgava engessado pela pressão da opinião pública? Ou que com pressão pública os juízes não julgam como deveriam?

Muitos outros questionamentos são feitos, por exemplo, a respeito de determinados julgamentos (não cassação dos direitos politicas da ex-presidente Dilma, na época do impeachment, e a não cassação da chapa Dilma/Temer pelo TSE), de como se comportam determinados juízes em processos semelhantes, do modo como delações premiadas são obtidas, como suas negociações são realizadas ou por quem elas deverão ser homologadas. Estas intermináveis discussões, que se percebe, às vezes são muito mais de caráter político, aumentam as dificuldades para que qualquer um de nós que não somos especialistas no assunto, tenhamos condições de compreender, minimamente, o quê, de fato está ocorrendo.

Confesso, por isso mesmo, que às vezes foram fortes as impressões de que intromissões indevidas, abusos e a não observância correta da Constituição têm ocorrido no âmbito dos três poderes da República nesta época tão conturbada. Houve momentos, por exemplo, que me pareceu que o Ministério Público (MP) tentou sobrepor-se ao Poder Judiciário e, até mesmo, ‘obrigá-lo’ a concordar com as decisões tomadas no âmbito da promotoria pública, corroborando com a tese, até certo ponto comum, de que a Constituição de 1988 deu ao MP uma ‘certa’ independência. E que o Judiciário, por sua vez, quis atuar como se Legislativo fosse. Ao mesmo tempo em que o Legislativo, advogando em causa própria, ignorasse até decisões da Justiça, como foi o caso de Renan Calheiros. Ou que a PGR, ao invés de exercer seu papel definido pela Constituição, decidiu advogar política e partidariamente. 

Entendo que as instituições brasileiras, embora frágeis, estejam cumprindo seus papéis e realizando seus trabalhos de forma razoável (2), e que não estamos vivendo um Estado de exceção, mas houve momentos em que estranhei determinas decisões, atitudes e/ou comportamentos. Ao invés de aumentar minha crença no encaminhamento de soluções para os problemas que afligem nosso País, muito do que está acontecendo, nestes últimos meses, tem aumentado minhas dúvidas e, como cidadão, me deixado em ‘estado de atenção’. 

Longe de esgotar o quê passa por minha cabeça, algumas de minhas dúvidas recentes: 

a) Neste momento em que a maioria das pessoas está ‘brava’ com a aparente impunidade dos irmãos Wesley e Joesley Batista, não estariam alguns, se aproveitando, na esteira das discussões a respeito da legalidade dos acordos obtidos através da delação premiada (1), procurando uma forma de reformar ou até mesmo cancelar as punições feitas com base nesse instituto penal?

b) Houve ou não, “dois pesos e duas medidas” quando foram feitas as negociações com o Marcelo Odebrecht e mais tarde com os irmãos Wesley e Joesley Batista? 

c) O Procurador Geral da República, Sr. Rodrigo Janot, não tomou atitudes incoerentes ao aceitar rapidamente (antes mesmo da perícia da Polícia Federal) como verdadeiras as gravações de Joesley Batista e posicionar-se muito diferentemente com relação às gravações também suspeitas de conversas entre Dilma e Lula? 

d) Joesley Batista não tem insistido de forma demasiada, e com grande cobertura da imprensa, muito mais a respeito das acusações feitas contra Temer e Aécio do que aquelas feitas contra Dilma e Lula? 

e) Com relação à turma petista, também incriminada por Joesley, não houve possibilidades de se fazer gravações? 

f) A divisão das acusações contra Temer, que entendo verdadeiras (3), em três partes, não tem o objetivo de fazer este governo ‘sangrar’ por muito mais tempo do que o necessário? 

g) Considerando um antigo ditado que dizia que “a mulher de Cesar, além de ser honesta, tem que parecer honesta”, é possível acreditar que no jantar ocorrido no último dia 27 (agora confirmado), entre o presidente Michel Temer e o Ministro Gilmar Mendes, do STF, no qual também compareceram os Ministros Padilha e Moreira Franco, apenas foram discutidos temas sobre a reforma política e nada tiveram com o anúncio, feito no dia seguinte, da escolha de um nome para assumir a Procuradoria Geral da República?

h) A imprensa não tem tratado, em seus jornais diários, muito mais a respeito das acusações feitas contra Aécio e Temer do que contra Lula e os petistas? 

i) O Sr. Guido Mantega, apontado como o maior responsável pela ‘administração’ petista dos recursos fraudulentos, não deveria ser questionado de forma rápida e rigorosa, assim como todos os demais? 

j) Por que não houve destaque, na maioria da imprensa, a respeito da condenação – há mais de 12 anos de prisão - do ex-ministro Antônio Palocci, um dos mais importantes dirigentes do PT? 

k) Por que estão pouco divulgadas as acusações feitas por Marcelo Odebrecht, de que foi Lula quem indicou o ex-ministro Antônio Palocci como intermediário nos assuntos ligados ao financiamento das campanhas políticas petistas? 

l) Por que, de ‘uma hora para outra’ o PT saiu da pauta jornalística quando se sabe que nos últimos treze anos, ele e o PMDB, juntos, foram os principais responsáveis por terem levado o País a esta calamitosa situação (4)?

Estes comentários, importante frisar, não altera meu entendimento de que, apesar de tudo, Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal têm cumprido fielmente seus papéis constitucionais e desempenhado, a contento, um trabalho fundamental para que se combatam as fraudes e a corrupção, características lamentáveis de quase todos os poderes da República e de quase todas as esferas administrativas brasileiras. É importante acrescentar que, apesar de possíveis excessos, a PF, o MP e a Justiça atuais têm contribuído e muito, para o combate à corrupção. “Talvez como nunca na história deste País”.

Como disse o Ministro do STF Luís Roberto Barroso: “o Brasil é um País de compadrio e de conciliações por cima, bem como de riscos delinquentes, mas nem eu nem ninguém, no Supremo, desejamos um Estado policial. Nós queremos um Estado democrático de Direito. Nós estamos tentando refundar o Estado brasileiro sobre este Estado feio e desonesto no qual estamos vivendo ainda hoje”.

Neste ‘mar de dúvidas’, e ainda para piorar, faço algumas observações a respeito do comportamento dos políticos, pois isso só tem aumentado meu grau de incertezas. Nos últimos noticiários é admirável a quantidade de “mocinhos” que atualmente ocupa a posição de “bandidos”, e vice-versa. Ou seja, aqueles que se posicionaram contrariamente ao processo de impeachment da ex-presidente Dilma e recusavam toda e qualquer prova de acusação apresentada, agora, no episódio Joesley Batista, vêm a público para concordar, não só com a gravidade do momento, mas com tudo aquilo que faz parte das diversas peças de acusação elaboradas pelo Ministério Público. Os acusadores de ontem, socorrendo-se dos mesmos argumentos de seus adversários, não tem o menor problema, agora, de utilizá-los para se defenderem. Antigamente era muito mais fácil identificar quem era o ‘mocinho’ e quem era o ‘bandido’. Hoje está impossível. Todos têm a mesma aparência.  

Antes não, mas agora de lado trocado, as delações são ilegítimas, ilegais e não têm valor jurídico e a troca de um presidente da República neste momento, além de trazer traumas para o País, não pode ser feito “de qualquer jeito”. Por outro lado, se “golpe” existiu na época do impeachment, agora o processo de substituição tem caráter saneador. Quem insistia em manter a ex-presidente Dilma no poder, agora advoga mobilizações a favor de eleições diretas, mesmo que isto seja, sob o ponto de vista constitucional, de improvável realização. E pasmem, até o ex-presidente Lula, identificado como chefe de quadrilha por um dos Ministros do STF, acusa o presidente Temer de corrupção!

Isto significa, sem dúvida, uma prova inequívoca de que ninguém está preocupado com a verdade ou com a busca de alternativas para resolver, nos limites estabelecidos pela Constituição Brasileira e os princípios que regem o Estado de Direito, os principais problemas que afligem toda a nação brasileira. Juntos a um contingente razoavelmente grande de representantes da classe dirigente brasileira, o que esses políticos querem, isto sim, é defender seus próprios interesses e os de seus grupos, independentemente destes terem cometido crimes ou não. Com uma “cara de pau” e uma desfaçatez sem iguais, mentem e tentam enganar seus eleitores, pelo menos aqueles que não são fanáticos, militantes ou coniventes, sem qualquer constrangimento.

Eu já havia comentado que “a recuperação do Brasil é difícil por si só, mas se depender de grande parte dos políticos brasileiros, ela será impossível” (5), pois “a falta de pudor e o de desrespeito junto aos leitores, telespectadores e ouvintes, principalmente no caso do Brasil, são demonstrações inequívocas de que grande parte de nossos governantes, políticos, intelectuais e imprensa, trabalham fortemente com o objetivo de transformar os brasileiros em idiotas”. 

Parece-me óbvio que a gravidade da situação atual tem causas que advém de um conjunto diversificado de problemas e que abrange quase todos os setores da economia brasileira. Mas parece-me claro, também, que as soluções para a maioria desses problemas somente serão encontradas - de forma substantiva e não superficial ou provisória - na medida em que o problema político do País também for equacionado (6). Insisto que é preciso buscar a verdade dos fatos e separar o ‘joio do trigo’ (7), fortalecendo nossas instituições e os políticos, executivos e dirigentes empresariais, sindicais e representantes da sociedade civil que estejam trabalhando na preservação e no aprimoramento da Justiça, do Estado Brasileiro, da República e da Democracia. Mas, confesso, é cada vez mais difícil identificar e encontrar a verdade e reconhecer os ‘mocinhos’ de hoje.

(1) A lei que estabeleceu e regulou as delações premiadas (de nº 12.850/13) foi aprovada pelo Congresso Nacional em resposta aos protestos de 2013. O número de prisões por corrupção, segundo dados do próprio MPF, desde a existência da lei aumentou quase 300%.

(2) Jornalista João Domingos, no Estadão de 17.06.17: “É o caso, então, de dizer que não há solução para o Brasil? De jeito nenhum. As rupturas de 1964, 1992 e 2016 ensinam que o País passou por um forte amadurecimento democrático. Em 24 anos, dois presidentes eleitos pelo voto popular sofreram impeachment e as instituições permaneceram de pé. As ruas acataram a solução dada e as coisas seguiram seu curso normal”. 

(3) Depois de indicar o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, homem de sua mais estrita confiança, para ser o intermediário entre ele e Joesley, e o indicado, aparecer recebendo R$ 500 mil em espécie, de um emissário da JBS, é quase impossível defender o presidente Michel Temer neste episódio.

Vale lembrar, também, que o presidente Michel Temer, ao ser questionado sobre seu encontro nada republicano, em março deste ano, com o já em investigação, Joesley Batista, defendeu-se dizendo que apenas foram discutidos assuntos ligados à operação “Carne Fraca”. Confrontado pelo fato de que a operação ainda não havia sido realizada, à época da reunião, buscou outro argumento: “estava recebendo um dos maiores produtos de proteína do mundo”. 

Como dito pelo jornalista e economista Carlos Alberto Sardenberg, na coluna de O Globo de hoje: “a cada dia que passa, Temer é mais culpado e menos útil, tal é a percepção que se forma nos meios econômicos”. “Flagrado, o presidente se concentra na sua defesa, num processo que vai ocupar a Câmara dos Deputados. Como vão tratar da reforma da Previdência nesse turbilhão?”

O fato é que Executivo e Congresso estão cada vez menos voltados às atividades de governo e muito mais dedicados à defesa de seus interesses em face do andamento e do prosseguimento das investigações da Operação Lava Jato.

(4) O próprio Editorial do Estadão, de 25.06.17 comenta que: “A crise política, econômica, social e moral que tanto abate o ânimo dos brasileiros começou com o Sr. Lula da Silva, com a apropriação da administração federal, de alto a baixo, para fins partidários. Foi na chegada do PT ao governo federal, há mais de uma década, portanto, que o cumprimento da lei, o interesse público e o respeito às instituições perderam relevância na tomada de decisões”.

(5) Artigo publicado por mim no Guia do TRC em 23/11/2016.

(6) O jornal O Valor de 22.06.17, informou que a Fundação Konrad Adenauer, ligada à União Democrata-Cristã, através de seu relatório mensal, alertou sobre a deterioração das instituições brasileiras. Segundo esse relatório, não há solução à vista para a política brasileira e o presidente Michel Temer somente sobrevive através da utilização de manobras questionáveis e que, com isto, o país vem perdendo importância no cenário internacional. Classificou, inclusive, de "farsa" o julgamento, realizado no Tribunal Superior Eleitoral, que absolveu a chapa Dilma-Temer, demonstração taxativa de que a Justiça "vem sendo mais e mais politizada".

(7) “Separar o ‘joio do trigo’ e defender a Democracia e o Sistema Político vigente, são exigências do momento brasileiro atual”, foi meu artigo escrito aqui mesmo, dia 15/12/16. 

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