Perdeu o Brasil. Perderam os brasileiros.

Publicado em
12 de Junho de 2017
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Aqui mesmo neste espaço, no último dia 06, antes mesmo do início do julgamento mais importante na história do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) brasileiro, para cassar ou não a chapa Dilma / Temer, acusada de abuso de poder econômico na campanha de 2014, comentei o fato de que o Brasil tem muita dificuldade para tomar, e no momento certo, as atitudes necessárias para resolver parte de seus principais problemas. “O Brasil é um País que tem medo de ir ao dentista. Está ficando banguela”, foi o título do texto citado. Depois do resultado do julgamento da Chapa Dilma / Temer, da última sexta-feira, tenho quase a certeza que o Brasil perdeu mais uma dezena de dentes!

O julgamento das questões eleitorais, como forma de assegurar que os processos eleitorais ocorram de forma correta e sem interferências indesejáveis e ilegais, uma das principais responsabilidades do TSE foi, mais uma vez, deixada de lado. 

Embora o Ministro Gilmar Mendes, presidente do tribunal, tivesse comentado em diversas oportunidades, antes e durante o julgamento, que o TSE não iria resolver problemas da política, uma vez que suas decisões deveriam se pautar pelos aspectos técnicos e, baseando-se nos fatos, aplicar o que diz a lei, a decisão da última sexta-feira, a meu ver, foi eminentemente política. Inclusive com a contribuição mais do que explícita do próprio Gilmar Mendes, quando por diversas vezes alertou para o fato de que o julgamento deveria ser comedido na análise do caso, sob risco de causar instabilidade ao País. Foi taxativo também ao dizer que “é preciso moderar a sanha cassadora porque você coloca em jogo outro valor, que é o do mandato, da manifestação popular O mandato não pode ser colocado em risco sem justificativa e argumentos plausíveis” (grifos meus).

Fiquei com algumas dúvidas nesse momento. Há julgamentos que não “são comedidos”? A possibilidade de que haja instabilidade, eventualmente causada por um determinado resultado de julgamento, é motivo suficiente para que ele (o resultado) não seja proferido? É a permanência ou a saída de Michel Temer da Presidência da República que causará instabilidade? Havendo instabilidade nas duas situações, ela será minimizada com ou sem Michel Temer? O mandato, fruto da manifestação popular não pode ser objeto de cassação, mesmo que haja motivos para isso? A ex-presidente Dilma, julgada e impedida de continuar à frente do executivo brasileiro também não tinha um mandato outorgado pela vontade popular? É possível desarquivar uma ação, arquivada anteriormente por outro juiz, e que sabidamente colocaria um mandato em risco, sem justificativa e argumentos plausíveis? As justificativas e argumentos apresentados até agora (ignoradas aquelas que não nos interessam) não são “plausíveis”?

Também uma das frases ditas pelo Ministro Admar Gonzaga, que votou contra a cassação, gerou-me pequeno desconforto: “Meu voto se limitará a recebimento de doações oficiais de empresas contratadas pela Petrobrás. A parte chamada ‘fase Odebrecht’ se refere a revelações relacionadas a caixa 2”, disse o Ministro. Ele simplesmente ignorou as doações feitas pela Odebrecht porque a empresa não é fornecedora da Petrobrás, por ser caixa 2 ou porque ele não aceita delações premiadas da Odebrecht que, vale ressaltar, ainda está em investigação? Abuso de poder econômico em determinada eleição só existe se forem através de ‘doações oficiais’?

Não há que se ignorar que este foi um julgamento complexo e tomar todos os cuidados possíveis para que não se cometam erros é o mínimo que se espera de um Tribunal Superior, mesmo que, às vezes, ele não tenha tido quaisquer características de superioridade, principalmente no campo do comportamento. Por mais que os fatos apresentados sejam notórios (”Só os índios da Amazônia não sabiam que a Odebrecht havia feito colaboração. Se isso não é fato notório, não existirá outro”, comentou em algum momento o Ministro Relator Herman Benjamim), é preciso, antes de tudo, que eles sejam verdadeiros.
 
Para “dourar um pouco a pílula”, como se diz popularmente, os juízes que votaram contra a cassação da chapa, e apesar de reconhecerem que os fatos apresentados eram gravíssimos, argumentaram sobre impossibilidades legais de se aceitar provas protocoladas fora do tempo. Esses argumentos, totalmente absurdos segundo meu entendimento, pois é difícil entender como provas, que comprovam crimes feitos, não podem fazer parte de um processo quando está expresso na legislação que regulamenta as investigações judiciais eleitorais que o Tribunal pode construir sua decisão inclusive com fatos ou indícios conhecidos durante o julgamento. E mais do que isso: como é possível entender que um crime comprovado deixa de ser crime somente pelo fato de que as provas chegaram fora de hora? Ou como salientou o Ministro Luiz Fux, do TSE e também do STF, que votou a favor da cassação: “É impossível uma corte descobrir fatos e não levar em consideração. Não podemos deixar de passar a limpo esses fatos que são gravíssimos e contaminaram o processo eleitoral pela chaga da corrupção, iludindo o eleitor”. 

O mais incrível de tudo, porém, é que o próprio Ministro Gilmar Mendes, presidente do TSE, conseguiu desarquivar essa ação (em 2015 ela havia sido arquivada pela Ministra do TSE, Maria Theresa de Assis ao concluir que o PSDB, à época, teria adicionado informações fora do prazo legal estabelecido) argumentando que isso se fazia necessário para investigar, em face de vários depoimentos obtidos pela Operação Lava Jato, se dinheiro vindo da corrupção na Petrobrás teria sido ou não utilizado na campanha da chapa Dilma / Temer que disputou a eleição presidencial de 2014. 

Vale aqui lembrar que o Ministro Herman Benjamim, relator do caso e antevendo discussões desse tipo, informou não ter se baseado nas delações da Lava Jato, mas sim no colhimento de novos depoimentos, referendado pelo plenário e pelo próprio Ministro Gilmar Mendes.
 
A defesa do presidente Temer, por outro lado, argumentou que as delações premiadas devem ser utilizadas para esclarecer crimes passados (crimes futuros não?) e dos quais o correspondente delator tenha participado e que se a JBS participou de uma organização criminosa, foi em “governos anteriores”. Governos anteriores? Quais? Os governos de Lula 1, Lula 2 ou Dilma 1, nos quais o PMDB e o Temer participaram ativamente, inclusive exercendo a vice-presidência?

Eliane Cantanhêde, jornalista do Estadão, em seu artigo da última sexta-feira comentou que acreditava que o TSE, ou qualquer outro tribunal, tem votos “mais imprevisíveis e blindados a pressões do que os 513 da Câmara, que decidem ‘politicamente’”. Talvez, mas não foi neste caso. Com pelo menos dois ou três dias de antecipação, os principais jornais já estampavam o provável resultado do julgamento. Acertaram não só no veredito e na contagem (4 a 3 contra a cassação), como também nos votos de cada um dos ministros. Para quem vinha acompanhando o comportamento (em especial a vontade de “aparecer” e a vaidade) de cada um dos ministros julgadores e as circunstâncias políticas que “envolviam” esse julgamento, também não se surpreendeu.

Há que se constatar, inclusive, que nenhum dos partidos políticos, notadamente os maiores, tinha interesse na cassação da chapa. Os atuais partidos políticos da situação, PMDB e PSDB à frente, não queriam a cassação por motivos óbvios, pois enquanto o presidente Temer se mantêm no cargo, eles continuam exercendo o poder que lhes “caiu no colo”, mantem forte pressão sobre a Operação Lava Jato (tentam controlar ou mesmo boicotar) e ainda preservam as benesses correspondentes. O PSDB, diga-se de passagem, que foi o autor da petição de acusação, poderá recorrer da decisão do último dia 9. Será? Vamos aguardar. 

E os partidos da oposição, o PT principalmente, jamais poderiam apoiar a cassação da chapa que disputou a Presidência da República em 2014 porque isso implicaria, de forma clara e inequívoca, reconhecer a utilização de dinheiro ‘sujo’ (de qualquer tipo de caixa, uma vez que oriundo de desvios da Petrobrás) em sua campanha. E mais do que isso, seria reconhecer inclusive, que se organizaram para subtrair esse dinheiro, de forma totalmente ilícita, da maior estatal brasileira (além do eleitoral, outro crime cometido!). 

Uma informação importante, e que de certa forma pode ter ajudado no posicionamento do PT, é o fato de que o TSE, já em outras oportunidades e em processos semelhantes, defendeu a “unicidade” (indivisibilidade) da chapa. O abuso econômico e político que elegeu a Dilma também elegeu Temer. Uma vez que Dilma e Temer devem ser julgados de forma conjunta – e isto, já há algum tempo se sabia – a culpa ou a inocência sempre seriam dos dois.

Não foi à toa que, apesar defender a saída do presidente Temer (movimentos “Fora Temer”), desde o impeachment da senhora Dilma, os partidos mais à esquerda, neste episódio específico, jamais “mexeram uma palha” a favor da cassação da chapa e, consequentemente, da cassação de Temer. Mesmo sabendo bem antecipademente, como todos nós, que esse era o posicionamento e o voto do ministro-relator, Herman Benjamim. 

Não havendo quaisquer manifestações, da direita ou da esquerda, da oposição ou da situação, “empurrar tudo com a barriga” e deixar tudo como está foi a melhor solução para todos. E foi isso o que fez o TSE. Atendeu toda a classe política e dirigente brasileira. “Não se pode julgar sem atentar para a realidade política (grifos meus) que se vive hoje. Somos uma corte. Avestruz é quem enfia a cabeça no chão”, disse o Ministro Luiz Fux. Pois é, o Ministro Gilmar Mendes não atentou para isso no momento de considerar as provas apresentadas, mas pesou-lhe muito a realidade de nossa classe política. Até porque prevendo o futuro, Gilmar Mendes acredita que uma saída do Temer nesta “altura do campeonato” geraria muito mais instabilidade do que a sua permanência. Ele acredita, inclusive, que até o dia 31/12/208 o presidente Michel Temer não terá qualquer outro tipo de problema que coloque seu mandato em risco. 

Escrevi no texto já citado que “não é preciso ser especialista no assunto para saber que a corrupção brasileira não só tomou conta da política, como tomou conta de todo o País”. Ora, aproveitar o julgamento do TSE, no qual haveria a participação decisiva de alguns ministros “próximos”, para criticar a Operação Lava Jato, principal inimigo dos corruptos, também fazia parte do ‘script’. Aliás, como se viu durante todo o processo naquele tribunal. Por mais de uma vez o ministro Gilmar Mendes tentou constranger o próprio Ministério Público Eleitoral, atacando até grosseiramente, o Vice Procurador Geral Eleitoral Nicolao Dino, ao dizer que o MP deveria se “pautar pela lealdade processual”. Não contente apenas com esse ataque, Gilmar Mendes ainda acusou: “Aparentemente houve uma combinação dos delatores com o Ministério Público (neste caso o Federal) para falar que todas as doações eram propina. Essa é a linguagem do MP”. Juízes que deveriam julgar agora também estão se reservando ao direito de fazerem o papel de acusação. 

Como disse o jornalista José Casado, esse julgamento “deveria servir de marco à refundação da Justiça Eleitoral. Caso contrário, continuará no papel de cartório a que foi reduzida por 2.244 políticos, beneficiários de propinas e subornos disfarçados de doações eleitorais em jogos de poder bancados por grupos como Odebrecht e JBS”. Ou, como dito pelo Editorial d’O Globo de sexta-feira passada: “era uma chance de o TSE equiparar-se a outras instâncias do Judiciário identificadas com a linha de frente na luta contra a corrupção”. Infelizmente ainda não foi desta vez!

Concluo este artigo com o que disse o jornalista político Merval Pereira em artigo para O Globo (“Sem serventia”) no último dia 09, antes da decisão final: O TSE abriu “mão de demarcar uma reviravolta nas nossas práticas eleitorais corruptas, admitidas por todos os ministros que o compõem”. E finaliza: “uma decisão desse quilate pode dar um fôlego adicional do governo Temer, mas certamente atingirá gravemente o Judiciário, tendo o TSE como fonte desse desgaste. Um tribunal que só existe no Brasil e em poucos países periféricos, que fala grosso com vereadores e governadores, mas afina com presidentes, por mais fortes que sejam as provas, acabará dando razão ao ditado que diz que o que só existe no Brasil, ou é jabuticaba ou não tem serventia”. Concordo plenamente.

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