Pressão e apoio da sociedade são as únicas formas de obrigar a classe política a fazer o que tem de ser feito.

Publicado em
16 de Março de 2017
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De uma forma geral, quase todos os políticos, do legislativo ou do executivo, mentem. Mentem para se eleger, mentem depois de eleitos e durante seus mandatos (e também depois) ou explicando – mas jamais justificando - seus erros e, em muitos casos, seus crimes. É um comportamento comum, pois falar a verdade, para a imensa maioria, exporia sua ignorância, sua incompetência, sua inépcia, sua desonestidade e sua má fé. Mas mudar esse triste comportamento faria com que eles perdessem poder e, consequentemente, suas correspondentes e injustificadas benesses. Mentem para, de alguma forma, manterem-se no poder, que é o que mais interessa, pois é à partir daí, que tudo se resolve. 

Com a maior desfaçatez possível, portanto, falam e defendem o quê for necessário para não perderem, melhor, ampliarem seus próprios benefícios, assim como de seus grupos. Esses são os principais objetivos da grande maioria dos políticos brasileiros e o princípio que os orienta. Essas são, na verdade, suas reais e permanentes prioridades e que norteiam, desde sempre, suas decisões, seus posicionamentos, suas atitudes e seus votos no Parlamento. 

Em várias oportunidades eu tenho comentado sobre, pois a “cara de pau”, o cinismo e a arrogância, características comuns desse tipo de político, têm se transformado, para mim, num processo de irritação constante (eu já não fico mais indignado) e, acredito, para uma importante parcela da população brasileira, aquela que trabalha, paga seus impostos e vive honestamente (1). 

Em face disso minha crença, cada vez maior, é a de que os reais problemas brasileiros, principalmente aqueles voltados à política e à economia, jamais serão correta, devida e justamente resolvidos com as classes políticas e dirigentes atuais (2). Infelizmente! 
É preciso que haja uma profunda e total reformulação nas estruturas política e eleitoral vigentes, que propicie, de fato, uma renovação em todas as lideranças, inclusive empresariais e sindicais, sem o quê, dificilmente o Brasil avançará. 

Considerando que a equipe econômica do atual governo, extremamente competente e consciente da importância e da grandeza de sua tarefa de momento, está trabalhando de forma eficaz (com eficiência e no caminho certo), é preciso exigir da classe política esse mesmo nível e essa mesma postura. É preciso que a classe política dê andamento e aprove as reformas necessárias, inclusive para dar suporte e correto encaminhamento às propostas no âmbito econômico apresentadas, posto que a implantação de cada uma delas depende do Congresso Nacional. 

Adam Curtis, autor e produtor da série “The power of nightmares: The rise of the politics of fear”, transmitida pela BBC em outubro de 2004, ao tentar retratar alguns dos problemas gerados pelo terrorismo global, citou uma frase interessante (3): “Numa era em que as grandes ideias perderam credibilidade, o medo do inimigo fantasma é tudo que restou aos políticos para manterem seu poder” (grifos meus). 

“A crença de que os outros são "inimigos do povo" (grifos meus), repetida à exaustão por 13 anos, funciona como sua chancela ideológica (do PT)”, escreveu Demétrio Magnolli em seu artigo para a Folha de São Paulo no ultimo dia 11 (4).

Essas duas frases me vieram à mente diante dos últimos acontecimentos – notadamente a nova “Lista do Janot” (5) - e ao ler diversos artigos publicados recentemente em alguns dos principais jornais brasileiros. Faço questão de separar apenas alguns deles, uma vez que há dezenas de comentários ‘interessantes’ parecidos e que refletem sempre a mesma forma de tratar o povo brasileiro: como idiota, que acredita em “inimigos fantasmas” e que “os inimigos são os outros”.

1ª) “Cenário de 2018 só se estabiliza com Lula”. “Não porque represente uma alternativa radical ao que está aí, mas porque significaria uma variante popular para o pós-crise”. André Singer, cientista político e professor da USP, foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula (artigo publicado dia 11/03/2017 na Folha de São Paulo).

2ª) "De agora até 2018, quero assegurar que o Brasil tenha um encontro correto com a democracia". “O maior objetivo político no Brasil neste momento é garantir que o ex-presidente Lula possa ser candidato nas eleições de 2018”. Dilma Roussef (dia 11.03.2017, em Genebra, ao participar do Festival Internacional de Filmes de Direitos Humanos).

3ª) “Os desdobramentos da Lava-Jato tiveram impacto na economia equivalente a cerca de 2,5% do PIB brasileiro” e “cada vez mais tenho convicção de que tem dedo estrangeiro nesse negócio da Lava-Jato. Tem interesses, sobretudo, no pré-sal, de que este País não seja protagonista”, disse o ex-presidente Lula em discurso para sindicalistas, em evento promovido pela Confederação Nacional dos Metalúrgicos/CUT, em São Bernardo do Campo (Jornal O Valor de 24.01.17). Em outra ocasião ele também havia dito que “quando tudo isso terminar (Operação Lava Jato), você pode ter muita gente presa, mas você pode, também, ter milhões de desempregados neste País” e que a economia sofre com a investigação, pois paralisa setores importantes, como combustíveis e construção.

4ª ) "Sempre existiu (caixa dois). Desde a minha época, da época do meu pai e também de Marcelo (Odebrecht)". "Existia uma regra: ou a gente não contribuía para ninguém, ou para todos", disse Emílio Odebrecht no depoimento prestado perante o juiz Sergio Moro, no último dia 13, quando foi testemunha de defesa de seu filho Marcelo. Esse era “um modelo reinante”, completou (Folha de São Paulo, 14.03.17).

5ª) “Se eu puder sonegar, eu sonego. Se eu puder não pagar multa, eu não pago. É assim o pensamento. Não sei como se vai corrigir isso. É uma moral nacional” afirmou Osmar Serraglio, deputado federal recém-nomeado para o cargo de Ministro da Justiça (grifos meus) no governo Temer (Folha de São Paulo dia 08.03.2017).

6ª) “Há uma diferença entre quem recebeu recursos de caixa dois para financiamento de atividade político-eleitorais, erro que precisa ser reconhecido, reparado ou punido, e aquele que obteve recursos para enriquecimento pessoal, crime puro e simples de corrupção”. Ex-presidente Fernando Cardoso para a  Revista Veja nº 2521, de 15.03.17. 

O mundo, e também o Brasil, vivem uma era de grandes incertezas (6). Na economia ou na política, sobre globalização ou sobre Democracia, tudo parece estar sendo questionável. Infelizmente não há respostas prontas, pois está muito difícil entender, sem má fé e honestamente, o quê de fato está acontecendo. Um dos caminhos, sem dúvida, é aprofundar as reflexões, focar os reais problemas existentes e colocar toda a energia disponível no enfrentamento e na busca de soluções. Essa deveria ser, neste momento, a missão principal de todos aqueles que representam os três poderes da República, da classe empresarial, dos sindicatos e da sociedade civil de uma forma geral.  

Entretanto e lamentavelmente, não é isso o que se vê. Todos continuam trabalhando para resolver seus próprios problemas, inclusive os empresários e muitos dos representantes da sociedade civil, como se constata através da afirmação da economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, ao participar da reunião do ‘Conselhão’, convocado pelo Presidente Temer, para discutir soluções para os principais problemas brasileiros: “se todos defendermos causas particulares, o Brasil não sairá da situação em que está” (grifos meus). A frase foi publicada em reportagem da revista Veja do dia 30/11/16 (Edição 2506). 

Portanto, a maior parte da sociedade brasileira, em especial seus políticos, continua não compreendendo a grave situação na qual o País se encontra e parece apenas se preocupar com sua sobrevivência. Preocupam-se com as próximas eleições (embora estejamos a 19 meses de suas realizações) ou com suas defesas perante a justiça. Aliás, são fortes as movimentações de políticos – de todos os partidos e com raríssimas exceções, como pode se ver pela Lista do Janot – no sentido de solapar a Lava Jato e “anistiar a corrupção”, via discriminalização do ‘Caixa Dois’. 

Com o argumento de que a transformação do ‘Caixa Dois’ em crime poderá gerar uma grave instabilidade política e adiar a recuperação da economia (um “fantasma” e tanto), os ‘interessados’ trabalham fortemente para legitimar a utilização desse típico crime eleitoral e, em consequência, anistiar todos os crimes de corrupção apontados, até agora, pela Operação Lava Jato. Isto interessa não só ao PT e seus partidos aliados, incluindo o PMDB, mas a todos os partidos políticos que se socorreram, em suas campanhas políticas, de recursos oriundos da corrupção, da lavagem de dinheiro e da sonegação de impostos. “A ladainha (grifo meu) dos rábulas transformou a defesa da corrupção em segurança jurídica. Propalam (os milhares de parasitas) aos quatro ventos que o combate aos desvios dos recursos públicos coloca em risco a ordem democrática. Contam com apoio entusiástico das instituições corporativas”, escreveu Marco Antônio Villa. E mais: “Os formadores de opinião ocultam sua participação no sistema com um discurso hipócrita de defesa da segurança jurídica e dos riscos que o combate à corrupção podem trazer à recuperação econômica. Isto mesmo, para eles, é o combate à corrupção — e não ela, propriamente dita — que gera turbulências na economia. E ecoam, como papagaios do poder, diariamente sua ladainha” (7).

Como escreveu o procurador geral da República, Rodrigo Janot, em sua carta ao STF, ao encaminhar as delações da empreiteira Odebrecht: “(as delações) mostram a triste realidade de uma democracia sob ataque, tomada pela corrupção e pelo abuso do poder econômico e político” (site do Estadão dia 14.03.17).

Esse tipo de político quer, porque quer, transformar a corrupção e a utilização de “recursos não contabilizados”, em atividades normais, que sempre existiram e que fazem parte da moral nacional e das regras de quem quer trabalhar com os órgãos públicos. Colocando todos na “vala comum”, tudo fica mais fácil e justificável. 

A Operação Lava Jato tem que continuar e o STF precisa dar velocidade às análises e aos julgamentos que se seguem. O Judiciário não pode trabalhar como um órgão político e tem obrigação de primar pela Lei e a preservação da Constituição. A demora em demasia no andamento dos processos judiciais recebidos e a falta de punição aos culpados, sejam eles quais forem, pessoas físicas ou jurídicas (8), só contribui para a geração de um clima de insegurança, desconfiança e descrédito. Exatamente no momento no qual é preciso acreditar! Acreditar na força da população brasileira, nos órgãos democraticamente constituídos, na Constituição e na Democracia. 

Também não interessa a ninguém uma possível judicialização da política ou a politização do legislativo, como se tem observado em alguns momentos, pois isto, além de aumentar a insegurança política e jurídica no País, impede o correto funcionamento de nossas instituições. A harmonia entre os três poderes da República é fundamental! Sempre!

É preciso, portanto, que a classe política brasileira estimule e realize debates sérios para modernizar a política no Brasil e não funcione, como hoje, apenas na busca de resolver seus próprios problemas, seja através da criação de “inimigos fantasmas” e “que os inimigos são os outros”. É preciso dar um basta nas mentiras ou nas “ladainhas” desconectadas da vida real.

Permito-me, mais uma vez, utilizar uma frase do Sr. Rodrigo Janot: “o sucesso das investigações até aqui representa uma oportunidade ímpar de depuração do processo político nacional para aqueles que acreditam ser possível fazer política sem crime e para aqueles que acreditam que a democracia não é um jogo de fraudes, mas sim um valor essencial ao desenvolvimento de um país”.

Permito-me, também, reproduzir um texto escrito por mim quando questionava o não andamento, apesar das provas contundentes, do julgamento da chapa Dilma/Temer. O texto foi publicado aqui no Portal Guia do TRC, no dia 29.11.16 (9): “Diante dessa situação vergonhosa e que tantos males vem trazendo para País, acredito que somente um novo governo, democrático, republicano e que respeite o Estado de Direito, teria condições de trabalhar em paz e colocar em prática um projeto de convergência, no qual sejam, de fato, discutidos, analisados e equacionados os reais problemas brasileiros, deixando os casos de roubo e corrupção caminhando em paralelo, mas restritos às páginas policiais. Governantes precisam se dedicar às discussões estratégicas e às reformas exigidas por um País que está quase à deriva”.

A solução não é fácil, muito menos sem dor e o governo não é novo. Portanto a sociedade (10), mais do que nunca, precisa se mobilizar, pois engajar-se politicamente não é apenas participar das eleições. A sociedade precisa pressionar para que os ‘três poderes’ tomem juízo. É fundamental que se dê uma guinada de 180 graus e se comece a administrar o Brasil de acordo com os reais interessas da nação e do País. Tirar os ‘malfeitores’ da frente e buscar colaboradores, à semelhança do que se fez ao montar a equipe econômica, competentes e acima de quaisquer suspeitas e que transmitam compromisso com a verdade e correto trato da ‘coisa pública’, sem “inimigos fantasmas” e sem “ladainhas”, poderá levar o Brasil a um ‘porto mais seguro’. Quanto mais tarde isso for feito, maior será a deterioração política, econômica e social, levando o País, sem dúvida, a um cenário ainda mais difícil e, possivelmente, incontrolável. 

(1)    “Cinismo, arrogância e mentira” (20.11.15), “Cara de pau dos líderes do PT e do (des) governo Dilma” (13.12.15) e “Pragmatismo eleitoral: um crime contra o País” (31.12.15), foram textos publicados no ‘linkedin’ e enviados via e-mail. “Pragmatismo eleitoral e marketing político: crimes contra o País” e “A economia e a política brasileiras na era da pós-verdade”, foram publicados no Portal Guia do TRC, respectivamente em 17.08.2016 e 30.12.2016.

(2)    “Sem lideranças capazes é impossível alcançar patamares altos de desenvolvimento” e “A recuperação do Brasil é difícil por si só, mas se depender de grande parte dos políticos brasileiros ela será impossível”. Textos publicados no Portal Guia do TRC, respectivamente em 03.10.16 e 23.11.16.

(3)    “Tempos Líquidos”, livro escrito por Zygmunt Bauman em 2006 e publicado no Brasil pela Zahar. Bauman, que foi um dos mais respeitados sociólogos do mundo contemporâneo, ex-professor da London School of Economics and Political Science, nasceu na Polônia em 1925 e faleceu em janeiro deste ano, aos 91 anos na Inglaterra.

(4)    Demétrio Magnolli, doutor em geografia humana, especialista em política internacional e colunista do jornal Folha de São Paulo (“Adicionou-se o crime contra democracia ao contra administração pública”).

(5)    O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou nesta terça-feira ao STF, 83 pedidos de abertura de inquérito contra parlamentares e ministros de Estado. Os suspeitos foram citados na delação premiada da Odebrecht. Também foram enviados 211 casos – sem direito ao foro privilegiado - nos quais foram encontrados indícios de irregularidades. Somando-se alguns casos de arquivamento e de operações de busca e apreensão, no total foram enviados 320 pedidos ao STF. Segundo O Globo, deste último dia 15, a lista inclui fortes e importantes nomes do governo, do Congresso (inclusive os presidentes da Câmara e do Senado), de partidos políticos (principalmente PT, PMDB e PSDB) e de ex-presidentes da República (Lula e Dilma). 

(6)    “O século XXI está caracterizado, até agora, pelo que chamo de “interregno”. É quando percebemos que tudo o que aprendemos, para lidar com os desafios da realidade não funcionam mais. As instituições de ação coletiva, o sistema político, o sistema partidário, a forma de organizar a própria vida, as relações com as outras pessoas, ou seja, todas as formas aprendidas de sobrevivência no mundo não funcionam direito mais. E as novas formas, que substituíram as antigas, ainda estão engatinhando”. Entrevista de Zygmunt Bauman, realizada pela Globo Milênio, em setembro de 2015.

(7)    “A corrupção é um sistema”. “Milhares de parasitas dependem da reprodução da corrupção. A indústria de luxo, mercado imobiliário, diversões”. Marco Antônio Villa n’O Globo de 14.03.17.

(8)    A Odebrecht “é uma quadrilha. Não há solução senão desmantelá-la, em nome da ordem pública e da segurança nacional”, escreveu Magnolli, em texto aqui já citado.

(9)    “Pode custar ainda mais caro para o Brasil, o desserviço prestado pelo TSE ao demorar tanto para julgar as denúncias contra a chapa Dilma / Temer”. Publicado no Portal Guia do TRC dia 29.11.16. É o que parece estar acontecendo hoje. A solução para nossa crise atual exige muito mais esforços. Estamos pagando mais caro”

(10)    “Quero, no entanto, concluir com uma observação otimista, pois no fundo tudo é reversível, e o mais importante é discutir o que vem em seguida. Sou otimista, sobretudo porque penso que homens e mulheres têm uma capacidade infinita de cooperação e criação, desde que se dediquem às boas instituições. Homens e mulheres são bons; as instituições é que são ruins e podem ser melhoradas. A esperança subsiste, pois nada há de natural ou imanente na solidariedade ou em sua ausência: tudo depende dos compromissos institucionais a que nos dedicamos” (“Às urnas, cidadãos!”, de Thomas Picketty, publicado pela Intrínsica em 2016).

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