A Ciência Econômica, por ser uma ciência social, jamais poderá ser exata*

Publicado em
05 de Julho de 2016
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São muitos os comentários sobre as dificuldades que a maioria das pessoas tem para acreditar nas projeções feitas por economistas. Principalmente quando se trata dos índices diariamente acompanhados pela população, tais como inflação, crescimento econômico e taxa de desemprego.

Ainda em janeiro deste ano, após ler interessante artigo de Philip Tetlock, intitulado a “A Miopia Ideológica” (Veja de 27.01.2016), publiquei, via ‘facebook’, artigo a respeito. Em texto bem estruturado e claro, o Sr. Tetlock escreveu que as “previsões funcionam como a visão humana: quanto mais longe se tenta enxergar, menos nítido será o cenário, menos precisão se terá dos detalhes”. E concluiu: “as previsões são inevitáveis porque sempre que alguém toma uma decisão – seja ela pessoal, política ou econômica – leva em conta quais serão as suas consequências”.

Mesmo concordando com boa parte daquele texto, mas como economista e assíduo leitor dos noticiários econômicos e políticos, portanto, bastante ‘exposto’ às dezenas de projeções que diariamente são colocadas à nossa frente, quero, aqui, retomar o tema e, de uma forma despretenciosa, complementar com algo que considero de extrema importância quando tratamos de previsões, particularmente aquelas ligadas ao campo da economia ou da administração.

Entendo, antes de mais nada, que é preciso compreender que previsões ou desenhos de cenários futuros no ramo da economia, quando feitos por profissionais, não são – ou não deveriam ser – apostas, como comumente se fazem no momento de se escolher números da loteria ou da mega-sena. Não se trata de sorte ou azar. Cenários de futuro ou previsões elaboradas no campo das ciências econômicas (1), por exemplo, são feitas com base em premissas estudadas e detalhadamente analisadas e considerando as condições (não só econômicas, mas políticas e sociais) do momento da análise. Uma vez alterada, uma ou mais dessas condições ou premissas, tudo o que se esperava acontecer, poderá não acontecer. Ou acontecer diferentemente do previsto.

Parece evidente, portanto, que previsões econômicas ou projeções de desempenho empresariais de longo prazo, entre tantas outras, correrão riscos de não acontecerem como esperado, diante da provável possibilidade de sofrerem alterações nas condições, nas premissas assumidas ou mesmo em face de medidas, procedimentos ou normas de conduta adotadas.

É mais ou menos como dizer que, dadas determinadas condições (climáticas, marítimas, de direção e de velocidade), determinado navio irá colidir com determinada ilha em um tempo determinado. O que se prevê é que um navio deverá (no condicional) colidir com uma ilha, caso as condições agora conhecidas, se mantenham constantes. E aqui está o cerne da questão, pois caso haja alguma mudança em uma (ou mais) das condições previamente consideradas (qualquer uma que consiga mudar a rota do navio) poderá gerar mudanças de curso e o navio não colidir com a ilha conforme anteriormente previsto. Uma alteração de direção, realizada pelo timoneiro, por exemplo, poderá mudar o curso do navio e tirá-lo da rota de colisão. Ou a velocidade diminuir e a colisão ocorrer mais tarde do que o previsto. Ora, isto não quer dizer que houve erro na primeira previsão, posto que, sem as mudanças ocorridas no exemplo citado, o navio de fato colidiria com a ilha exatamente no temo definido previamente. Aquilo que era esperado ocorrer não ocorreu simplesmente porque houve determinada interferência - humana ou não.

Prever a inflação futura tem como pressuposto a assunção de diversas premissas, entre as quais, e como exemplo, poderá ser a inexistência de política econômica governamental específica de combate à inflação. Entretanto, caso esse governo resolva aumentar a taxa de juros, como forma de se combater a demanda, para obter, também como consequência, a diminuição de preços no mercado e, na sequência, uma queda na inflação. Uma política monetária (alta de juros) adotada pelo governo, depois de feita a previsão. Poderá evitar que a inflação chegue àquele percentual previsto inicialmente.

Reitere-se mais uma vez: não há falha de previsão nem tampouco de projeção. Na verdade ocorreu uma alteração em uma das condições inicialmente consideradas, com capacidade suficiente para alterar o resultado final. Pode-se até questionar por que, na primeira previsão, não se considerou a possibilidade de ocorrer, também, essa medida (aumento da taxa de juros) adotada posteriormente pelo governo. Mas isto é outra história.

Nos milhares de livros sobre economia, mesmo diante de formas diferentes de se conceituá-la, uma característica comum é a aceitação de que a Ciência Econômica é uma Ciência Social (2) e, como tal, não pertence ao grupo das ciências exatas, embora as utilize exaustivamente de forma auxiliar, seja a matemática, a estatística ou a contabilidade, por exemplo. Neste grupo, das ciências exatas, cegas para valores e regidas pelas leis causais, estão as ciências explicativas e descritivas, isto é, aquelas que explicam ou descrevem os fenômenos como eles são, sem quaisquer juízos de valor. Para as mesmas causas, sempre os mesmos efeitos. Dois mais dois são quatro, em qualquer lugar e em qualquer tempo, não dependendo, portanto, da “interpretação ou da compreensão” de quem quer que seja. Tendo como unidade de pensamento o “SER”, ou seja, o fenômeno como ele é, estas ciências pertencem ao que Emmanuel Kant chamou de Mundo da Natureza, pois ficam limitadas apenas à sua descrição ou explicação. Esta forma de se entender as coisas como elas simplesmente são, advém da corrente de pensamento de Aristóteles (3).

Por outro lado, a Ciência Econômica também não faz parte das Ciências Axiológicas, aquelas que estudam o valor, muito embora se utilize muito delas. Neste segundo grupo estão a filosofia, a ética ou a moral, que diferentemente das ciências exatas, são regidas por leis finais. Para as mesmas causas poderá haver efeitos e resultados diferentes, no tempo e no espaço. O que não é ético ou moral para uns, poderá ser para outros. O que não é ético ou moral para pessoas de determinada região, poderá ser para pessoas de outra região. O que não é ético ou moral para determinada sociedade, em uma época qualquer, poderá vir a ser em outra. Desenvolvido a partir dos pensamentos de Platão (4), este é o Mundo da Liberdade, na qual a unidade de pensamento é o “Dever Ser”.

A ciência econômica, portanto, pertence ao chamando Mundo da Cultura, composto pelas ciências compreensivas e normativas. É o mundo de opções sobre coisas reais, que existem e sobre os quais se constroem novos objetos de conhecimento: os chamados “bens

de cultura” (5). Aqui estão as ciências de construção, pois baseadas na realidade dos fatos, descritos e explicados pelas ciências exatas (estatística, econometria ou contabilidade, por exemplo) e à luz dos valores projetados pelas ciências axiológicas, tem como finalidade principal, a “compreensão” dos fatos e, sempre que possível, estabelecer “normas” de comportamento ou de conduta. A política econômica é um bom exemplo. Os atos de pensamento, de elaboração e execução da economia, como ciência, são exercícios construção de “bens de cultura”, uma vez que a unidade de pensamento é o “Ser enquanto referido a um Dever Ser”. É a constante e dinâmica combinação, no tempo e no espaço, entre “SER” e “DEVER SER”, entre Ser e Valor.

O que se depreende, do que até aqui foi exposto, é que as ciências podem ser divididas em três conjuntos bem definidos: a) as Ciências Explicativas ou Descritivas, compostas, entre outras, pela Física, Matemática, Contabiidade e Biologia; b) as Ciências Axiológicas, das quais fazem parte a Ética, a Moral, a Estética e a Filosofia, principalmente; e c) as Ciências Compreensivas, tais como a sociologia e a história, e as Compreensivas e Normativas, nas quais podem ser destacadas como principais, a Política, a Economia, o Direito e a Administração.

Não é por acaso, portanto, que a ciência econômica se divide em dois campos muitíssimos claros e bastante distintos: a Economia Positiva, composta pela Economia Descritiva e a Teoria Econômica (ou Economia Política) e a Economia Normativa, da qual fazem parte a Política Econômica (em seus diversos ramos: fiscal, monetária, cambial, industrial, finanças públicas, etc.) e a Programação Econômica, responsável pela elaboração dos planos e projetos de ação.

Pode-se concluir, portanto, que os analistas econômicos, ao contrário do que se possa pensar, não apostam e não fazem previsões desconsiderando a realidade, nem tampouco, o que sugere ou propõe as diversas correntes de pensamento econômico. Na verdade, através da utilização de instrumentos apropriados, tais como a estatística, a econometria, a matemática ou a contabilidade, os economistas reunem os dados e as informações reais para, juntamente com os valores aceitos pela filosofia, pela moral ou pela ética, construir a Teoria Econômica, que, nada mais é, do que a compreensão dos fenômenos econômicos analisados (Economia Descritiva). Somente a partir daí é que se desenham cenários futuros (projeções) que, uma vez comparados com o que se quer, poderão exigir normas de comportamento (Economia Normativa).

De forma simplificada podemos dizer que, baseado nos fenômenos econômicos do mundo real e das leis ou teorias formuladas pela Economia Positiva, governos podem estabelecer, através da Economia Normativa, políticas e programas econômicos que têm como objetivo maior, dar respostas aos problemas econômicos existentes, como por exemplo, buscar o progresso e desenvolvimento de uma nação ou um país.

Por melhores que sejam os instrumentos de elaboração, somente o futuro, composto por uma infinidade de variáveis, conhecidas ou não, e sujeito a interferências diversas, humanas ou não, é que poderá comprovar se as projeções e os cenários desenhados estavam corretos. O quê se espera é que sejam construídos de forma profissional, com base na realidade, considerando os valores aceitos pela sociedade e sem pessimismo ou otimismo exagerados. Com certeza os prognósticos serão melhores, serão evitadas grandes (e desagradáveis) surpresas e os erros, além de compreendidos, mais rápida e facilmente serão absorvidos, corrigidos e contornados.

(1) Embora existam diferentes formas para se definir a ciência econômica, há uma bastante clara, apesar de simplificada: “a economia é uma ciência social que estuda a produção, a organização e a distribuição de bens econômicos e serviços” (esta definição de economia foi exaustivamente utilizada por mim, enquanto professor universitário. Infelizmente não sei quem é seu autor para lhe dar os devidos créditos).

(2) ”Não concebo outro lugar para a economia que não o de subdisciplina das ciências sociais, ao lado de história, sociologia, antropologia, ciências políticas e tantas outras”. “Ciência econômica parece-me um pouco arrogante. Prefiro a expressão ‘economia política’, que busca estudar cientificamente qual deve ser o papel ideal de um Estado na organização econômica e social de um país, bem como quais são as instituições e as políticas públicas que mais nos aproximariam de uma sociedade ideal” (Thomas Piketty, em “O Capital no século XXI” – Ed. Intrínseca Ltda., 2014).

(3) Aristóteles acreditava tudo partia do conhecimento da realidade das “coisas” (fenômenos) existentes no universo e do intenso relacionamento entre elas. O mundo a partir do “ser”.

(4) Segundo Platão, o ser humano apenas tem ideia das coisas, na medida em que ele idealiza o universo. Tem-se ideia de como o universo “deve ser”.

(5) A construção dos “bens de cultura”, exige três momentos que, embora distintos, confundem-se num só:1º) Explicação ou descrição do fenômeno, da realidade; 2º) Projeção do espírito sobre possíveis valores adequáveis do fenômeno ou realidade; e 3º) Construção ou adequação, dentro de dimensões de espaço e de tempo, dos valores projetados pelo espírito humano à realidade já descrita. Na construção dos “bens de cultura”, o ser humano passa a dar significado às coisas e, portanto, estas adquirem sentidos e passam a ter valência. Projetam-se valores possíveis e que se relacionam com a realidade, exigindo sensibilidade de escolha, opção entre inúmeros valores para serem agregados à coisa, na busca do certo, do justo, do melhor ou do mais razoável.

 

* Paulo Roberto Guedes é consultor de empresas e professor do curso de Logística Empresarial do GVPec, da EAESP/FGV.

 

 

 

 

                                   

 

 

 

 

 

 

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